Curitiba

Golpe do carro zero

Foto: Felipe Rosa
Escrito por Tribuna do Paraná

Cuidado com sites que vendem veículos novos a preços baixíssimos

Já pensou andar de Uno zero quilômetro, pagando apenas R$ 3 mil? Ou com uma BMW X1, ainda com os plásticos nos bancos, recém-tirada da concessionária, por apenas R$ 4 mil? Isso é possível, graças à nova “modalidade” de venda de carros zero quilômetro, chamados NP Finan. Basta digitar no Google o termo “carro NP Finan” que você encontrará várias lojas, que entregam o veículo escolhido na sua casa e com até 30 “suaves” prestações. A tentação é enorme, assim como a possibilidade de pagar e não receber o produto, ou ir para a cadeia por comprar um carro como este. Sem contar na possibilidade de ter dívidas astronômicas em seu nome, para o resto da vida.

O começo desta reportagem parece meio sarcástico, não? Mas é bem assim que os golpistas que vendem tais carros tratam o cliente, logo depois que as pessoas se dão conta que caíram num golpe. Mas, afinal, o que é um carro NP Finan (também chamado de carro bruxo ou piseira)?
NP é a sigla para “não pago”, ou seja, um carro que foi financiado mas nenhuma prestação foi quitada. Ou seja, os golpistas conseguem dados pessoais de “laranjas” para comprar carros zero em concessionárias. Assim que o retiram da loja (se é que os retiram), já o oferecem nos sites de carros NP. Nos portais eletrônicos das lojas não consta endereço físico, sequer um telefone para contato. Tudo tem que ser feito por e-mail. Já é o primeiro indicativo de que não se trata de um negócio lícito.

A Tribuna entrou em contato com algumas lojas, que rapidamente responderam os e-mails. Elas mandam quais os carros estão “disponíveis” e dizem que a única coisa que você precisa pagar é o frete, de R$ 298, pois um caminhão-cegonha entregará o veículo escolhido no endereço que você solicitar, em poucos dias. O carnê das 30 parcelas vem no porta-luvas, com documento do carro, já emplacado e com IPVA e licenciamento 2017 pagos. Para dar início à compra, eles solicitam do comprador nome completo, RG, endereço completo com CEP e o modelo de veículo escolhido.

É nos pequenos detalhes que se nota o golpe. O IPVA e o licenciamento de alguns veículos que eles oferecem custam bem mais que os R$ 4 mil que cobram pelo carro. Então, que lucro teriam vendendo um carro com todos os impostos pagos? E como garantir também que os dados pessoais que o cliente manda por e-mail não serão usados na compra de outro carro fraudulento? Ou seja, de cliente, o comprador pode passar a ser “laranja” no esquema.

BPTran diz que há grande chance de carros NP Finan caírem em blitze. Foto: Arquivo
BPTran diz que há grande chance de carros NP Finan caírem em blitze. Foto: Arquivo

Altos riscos

Como se tratam de carros financiados e não pagos, em poucos meses o banco que realizou o financiamento irá solicitar à Justiça a busca e apreensão do bem. Algumas instituições financeiras pedem a busca e apreensão a partir da terceira parcela não paga. Outros, esperam até seis meses. Os sites que vendem carros NP Finan garantem que o comprador poderá andar tranquilamente por pelo menos dois anos sem ter nenhum problema com isto. Até que o carro seja localizado e um oficial de Justiça venha buscá-lo na sua casa (o que, em geral, é bem difícil), demora bastante.

E a blitz? Dependendo da situação, o condutor do NP Finan pode se sair bem da situação. Se o carro tiver alerta de busca e apreensão no sistema do Detran, o carro fica retido e o nome do condutor fica registrado junto à documentação. Mas não significa que o motorista será responsabilizado por isto.

E a questão do IPVA e licenciamento? Só pelo fato dos impostos não terem sido pagos, não é motivo para a polícia apreender o carro numa blitz. Essa questão ainda não foi pacificada no Judiciário. Em alguns estados, a polícia apreende. No Paraná, não. Mas o fato é que, se os impostos não estiverem pagos, o condutor não terá em mãos o documento atualizado do veículo (CRLV). E o artigo 133 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determina que não portar o CRLV (que é renovado anualmente, assim que o IPVA e licenciamento são quitados) é uma infração e, por isto, o carro é retido.

A exceção à regra é se, por acaso, os policiais tiverem algum meio eletrônico de confirmar a situação do veículo, no momento da blitz. Caso o IPVA e licenciamento estejam pagos e o policial conseguir verificar isto, o condutor pode ir embora com o automóvel, sem problema. Mas se ele não tiver este meio eletrônico de conferir, o carro é apreendido, pois pela legislação o porte do CRLV é obrigatório. Sem contar o artigo 123 do CTB, que determina que a transferência do veículo para o novo proprietário é obrigatória em 30 dias.

Fiscalização eficiente

Pelo menos na Grande Curitiba, andar com um carro em situação irregular não é tão fácil assim. Conforme o tenente Ismael Veiga, porta-voz do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), por causa da lei seca, a Polícia Militar tem intensificado as blitze e não é incomum vê-las pela capital e cidades da região metropolitana.

A tecnologia também têm sido uma grande aliada da polícia. Conforme o tenente, é possível rastrear placas através dos radares, lombadas eletrônicas e câmeras de fiscalização. Com isto, o sistema registra os “hábitos” de um veículo. “Quando fazemos as operações para apreensão de veículos irregulares, com muitas multas, impostos vencidos ou busca e apreensão, o serviço de inteligência faz esse rastreamento, para saber em quais locais e com que frequência determinado veículo circula, para podermos pegá-lo. Antigamente, era mais fácil para um estelionatário escapar de uma situação irregular. Mas agora, com a tecnologia, ele tem que contar com a sorte. Em Curitiba, pelo menos, não é vantajoso andar com um carro irregular. A chance de cair numa blitz é muito grande”, comenta.

Se a pessoa cai numa blitz com o carro em situação irregular (falta do CRLV, por exemplo), além da multa ainda terá a pontuação direcionada à carteira do condutor. “Sem contar que, se a polícia suspeita que é um carro comprado através de um golpe, uma hora o estelionatário cai e leva todos os envolvidos juntos, seja ele o laranja que emprestou o nome, o revendedor ou quem comprou o carro nesta situação”, alerta Veiga.

Polícia Federal investiga o crime. Foto: Felipe Rosa
Polícia Federal investiga o crime. Foto: Felipe Rosa

É crime!

Os sites de carros NP Finan dizem que comprar um carro financiado e não pago não é crime. E também afirmam que quem compra também não terá nenhum problema com a polícia. Mas a Justiça pode entender diferente. Se for comprovado que o comprador adquiriu o veículo sabendo que era um NP Finan, todos podem responder por associação criminosa e até estelionato. Mesmo o “laranja” alegando que não sabia do que estava acontecendo em seu nome e do comprador alegar desconhecimento da situação do veículo, o juiz pode entender que todos estavam coniventes com o crime.

Quem investiga esse tipo de crime, geralmente, é a Polícia Federal (PF). E quem os julga é a Justiça Federal. As vítimas deste golpe, em geral, são as instituições financeiras, pois elas cedem o veículo e não são pagas por ele. A lei 7492/86 (lei de crimes conta o sistema financeiro nacional) determina que estes crimes são de competência federal. Procurados pela Tribuna, bancos, Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) e PF não se pronunciaram sobre o golpe até o fechamento desta edição.

Reclamações

Para dar credibilidade ao golpe, os estelionatários usam alguns artifícios. Colocam depoimentos de alguns clientes, escritos e em vídeo, com pessoas se dizendo muito satisfeitas com a loja “X” ou a revenda “Y”, com o vendedor “fulano” que os atendeu na loja “Z”, e com o carrão de luxo que compraram e, se fosse pelo sistema “normal”, nunca alcançariam este sonho. No entanto, as pessoas que aparecem nestes vídeos nunca mostram os carros que compraram. E quando algum vídeo mostra o carro, não mostra a cara do comprador. Apenas a voz dele, mostrando o automóvel e a sua felicidade em comprá-lo.

No site Reclame Aqui, há mais de 600 reclamações sobre carros NP Finan, em que as pessoas citam os nomes das lojas e dos vendedores. Muitas delas possuem nomes parecidos e podem até pertencer à mesma quadrilha, por conta do texto, listagem de carros e valor do frete iguais, entre outros detalhes.

As pessoas reclamam de boa fé no site, achando que realmente fizeram negócios com lojas idôneas. E os estelionatários ainda respondem às reclamações, dizendo que ele está “confundindo” o nome da loja na reclamação.

Ameaças

No You Tube também é possível perceber pessoas que foram ameaçadas pelos estelionatários, quando elas descobriram o golpe e mandaram e-mails às “lojas”, pedindo o dinheiro que pagaram pelo frete de volta e dizendo que divulgariam o crime nas redes sociais. Ameaçam mandar “pessoas” no endereço do comprador ou dizem que vão fazer compras “estratosféricas” no nome do comprador, já que a pessoa cedeu seus dados pessoais e de conta bancária na hora de fechar a compra do carro. Para “incrementar” a ameaça, dizem que já sabem qual é o perfil de Facebook da pessoa.

Os golpistas ainda tiram sarro das vítimas que reclamam, dizendo que elas são criminosas iguais a eles, porque entraram no esquema e são cúmplices, pelo fato de querer tirar proveito de uma situação, comprando um produto ilícito. O golpista sabe e deixa claro que comprar carro em nome de laranja é crime, bem como “esfrega” na cara da vítima que ela comprou uma “ilusão”. Também sabe exatamente em quais crimes do Código Penal ele e os compradores podem ser enquadrados, caso caiam nas mãos da polícia e da Justiça.

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