Imagine-se dentro da seguinte situação: você e todos os seus familiares presos por tráfico de drogas e outros crimes. Você cresceu nesta vida e sempre foi assim. Quando não é num abrigo para menores, é na cadeia que você encontra os familiares. Mas um dia, você tem uma visão de Deus dentro da penitenciária que faz sua história mudar completamente de rumo. Você sai do crime e ainda leva toda sua família junto para o bom caminho. Parece história de filme, mas não é. Ela aconteceu com o barbeiro Wellington Lima de Oliveira, 27 anos, hoje morador de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, que já respondeu por mais de 80 assaltos.
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Até os avós de Wellington eram criminosos. E nada melhor do que a mãe dele, Maristela, 42 anos, para contar como isso tudo começou. Maristela manteve-se longe das atividades da família, o tráfico, até o dia que foi visitar o irmão na cadeia e conheceu um detento, com quem casou e teve três filhos. Com o dinheiro do tráfico, o homem dava uma vida luxuosa a Maristela, que até então sabia de tudo, mas não se envolvia.
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Mas quando ela tinha 17 anos e estava grávida do segundo filho (Wellington já tinha dois anos e meio), o marido foi preso de novo. Sem saber como manteria a casa e as crianças, deu continuidade às atividades do companheiro, mas acabou sendo presa. “Quando o Wellington tinha 8 anos, ele foi me visitar na cadeia e pediu: ‘Mãe, você pode me dar um banho?’ Aquilo mexeu demais comigo. Ele sentia falta do meu cuidado, porque eu estava sempre presa. Quando meus filhos não estavam em abrigos, estavam sendo cuidados pelos outros. Eu decidi que não queria mais dar essa vida aos meus filhos”, diz Maristela, sentindo culpa.
Mesmo assim, ainda ocorreram idas e vindas à cadeia. Até o dia em que a família inteira – avós, pais, filhos, tios, primos – foi presa numa ação do Departamento Estadual de Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil. “Aquela foi a gota d’água. Nesse dia nós fizemos um propósito todos juntos na delegacia, de que iríamos sair do crime”, contou Maristela.
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Vida de crimes
Enquanto a salvação da família não chegava, Wellington se envolveu com muita coisa errada. Só de assaltos, tinha mais de 80 em sua ficha corrida. Sem contar a prisão por tráfico e outra por homicídio (que ele foi inocentado). Dois anos depois de sair da Delegacia do Adolescente, foi baleado na cabeça num assalto que cometeu. Nesse dia, ele disse: “Se o Senhor me tirar dessa, faça eu sair do crime de vez”, pediu o jovem, caído numa valeta, entre a vida e a morte.
Deus atendeu: ele foi socorrido e sobreviveu. “Mas no dia seguinte que eu saí do hospital, já fui assaltar de novo. Não cumpri com a minha palavra”, lamenta ele. E assim, o rapaz passou a vida dentro do presídio, fosse preso ou visitando pai e mãe.
Wellington sabia desde cedo que o crime era errado. “Mas o que eu não decifrava é que o crime é um mundo de ilusão. É rápido subir ou ir pro fundo do poço. A gente chegou a viver uma vida de luxo. Então o crime era para mim a lei da sobrevivência. Eu ia visitar meu pai na PCE (Penitenciária Central do Estado) e já na entrada tinha um corredor gigante cheio de grafites. Na cadeia tinha futebol pra jogar, me divertia com os outros presos e tinha meu pai como espelho. No começo achava legal e não queria ser diferente. Mas depois eu vi a realidade dentro de uma cadeia quando cumpri pena. É lobo comendo lobo. Aí eu caí na real, que o mundo do crime é pura ilusão”, explica o barbeiro.
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Sofrimento em família
Os irmãos de Wellington também sofreram demais. Thauanny, 19 anos, a do meio, era agressiva e não aceitava ser humilhada. Vivia tentando se cortar, tentou suicídio algumas vezes tomando um pote inteiro de veneno de rato, ou coquetéis de remédios. Passou a infância e adolescência dentro de abrigos, onde sempre arranjava confusão.
Ela usou drogas, fumava maconha o dia inteiro, só queria saber de festas e crimes. “O único abrigo que eu passei que me respeitavam foi o Sete Anjos. Toda criança precisa de amor, cuidado e carinho, e foi lá que eu tive um pouco disso. Não me forçavam a tomar nenhum medicamento. Porque nos outros eles me dopavam, me amarravam. Chegaram a me dar mais de 10 remédios por dia”, lamenta a jovem.
“Minha irmã hoje tem 19 anos. Mas foi estuprada aos 3 anos por um cara que veio cuidar dela. Depois disso a gente só se via dentro de abrigo, de cadeia. Em 2019 será o primeiro Natal e Ano Novo que vamos passar todos juntos na ‘rua’ (fora da cadeia). Não sei nem dizer quando foi o último que passamos juntos”, alegra-se Wellington.
O céu se abriu
22 de dezembro de 2017. A data é como um segundo aniversário para o barbeiro Wellington Lima de Oliveira, 27 anos. Foi neste dia que ele saiu da cadeia, bem antes do previsto, depois que teve uma visão impressionante de Deus enquanto estava “no castigo”.
Um dia, conta o barbeiro, ele estava no pátio, pregando aos outros presos a disciplina de uma facção criminosa, quando um pastor entrou e disse: “Eu não vejo você pregando em um pátio. Eu te vejo pregando para uma nação. Deus está entrando na sua vida irmão. Você vai ver”. Então o jovem respondeu: “Se Ele está mexendo na minha vida, porque não me tira daqui?”, questionou Wellington.
Este era o ano de 2004 e, naquele dia, os presos planejavam uma fuga. Então o pastor respondeu: “Eu posso orar por você. Porque tudo o que você está planejando, vai dar certo”. E naquele dia, os presos conseguiram fugir. “Minha família achava que eu estava solto de alvará. Então fui num retiro com eles. Na pregação, o pastor falou para eu ir para o mato e ganhar o mundo. Eu fui. No mato, eu pensei: como vou ficar na rua se eu sou um foragido da lei? Eu comecei a chorar sozinho. As pessoas me encontraram, fui preso de novo. Deus falava comigo há tempos e eu não percebia”, diz Wellington.
A visão
Foi no isolamento que Wellington teve “a visão”. “Ali eu me ajoelhei e pedi a Deus: assim como você falou com Paulo e Silas dentro da prisão Senhor, quero que me traga só uma notícia dos meus familiares”, pediu ele.
Em seguida, o rapaz dormiu. “Eu vi cinco pombas abrindo o teto da PEP. E uma voz calma sussurrou lá de cima: ‘Filho, fica tranquilo. Tá tudo bem’. Quem passou por uma PEP sabe que, quando você anda nos corredores, um portão se fecha nas suas costas e outro abre na frente. E assim, vários se fecham e abrem. Na visão, minha esposa vinha me visitar e todas as portas se abriam no corredor. Em seguida, eu vi uma casa com varanda, toda ensolarada. Minha mãe estava lá, olhando pro céu, e dizia, sem olhar pra mim: ‘Fui eu que mandei Ele falar com você.’ Quando eu acordei, eu ainda vi aquele céu aberto em cima de mim. Não foi um sonho”, diz Wellington.
Passados mais três meses, a esposa de Wellington voltou a visita-lo e contou que ele seria libertado naquela semana. “Se Deus não tivesse falado comigo, eu não ia acreditar, pois eu cumpri só cinco, dos 27 anos que fui condenado”, disse. Poucos dias depois, um agente penitenciário foi até a cela de Wellington e disse: “Se arruma que o teu alvará cantou”. “Naquele dia, eu não tive que esperar os portões abrirem e fecharem. Eu só vi portões abrindo na minha frente, igual na visão”, disse ele, que se batizou na cadeia.
Vida na “rua”
Wellington nunca fez curso de barbeiro. Mas aproveitando a habilidade que desenvolveu sozinho na prisão, abriu uma barbearia na garagem de casa, na Vila Palmital, no município de Colombo. Ainda está difícil sustentar a família, conseguir os R$ 750 mensais que precisa para pagar as contas, pois há semanas que não tem clientes. “Mas eu tenho fé. Até Homem Aranha em 3D eu desenho na cabeça. Não é porque sou evangélico que não vou passar por provações e tentações. As contas vão bater na porta. Mas Deus me dá provas de que estou no caminho certo. Por isso eu vou resistir, vou usar meu dom, porque fiz uma promessa a Deus. Se eu voltar pro mundo do crime, quero morrer em troca de tiro. Não quero ficar vivo pra contar essa história”, diz o jovem.
Além de barbearia, Wellington faz de tudo. De habilidades com pintura ao dom da música, aceita qualquer emprego, do qual consiga se aposentar. “Quando você sai da cadeia, você precisa ter um perdão da sociedade. Tem que fazer por merecer. Estou fazendo meu melhor. Mas o que dói mais na gente é bater nas portas procurando emprego e nunca tem, pelas pessoas saberem do seu histórico”, diz o rapaz.
Através de um rap, Wellington conta seu testemunho e sua história. Assista:
https://www.tribunapr.com.br/cacadores-de-noticias/curitiba/bazuca-retirada-das-ruas-de-curitiba-e-atracao-em-museu-pouco-conhecido/