A primeira habilitação é o sonho de muita gente ao completar 18 anos, mas já parou para pensar que quem tem algum tipo de deficiência acaba esquecido? Foi a partir dessa percepção que o dono de uma autoescola de Curitiba resolveu fazer a diferença e investiu não só em carro e moto adaptados, mas mudou completamente a estrutura do negócio para permitir que todas as pessoas, sem distinção, se realizem. “No fim das contas, a realização tem sido minha”, define Jeferson Augusto Pinto da Silva, 44, o proprietário.
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O nome da autoescola é Itupava e fica na Rua Marechal Deodoro, no Alto XV. Jeferson contou que seu interesse partiu por começar a observar as dificuldades de quem tem algum tipo de deficiência. “Ficamos muito perto da Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP) e, observando o cadeirante quando desce do ônibus, por exemplo, comecei a perceber a dificuldade destas pessoas em deslocamento, locomoção, e comecei a pensar numa forma de atendê-los aqui”.
Com a vontade de fazer a diferença, Jeferson conta que resolveu procurar a ADFP para ver se a associação não o ajudava nas questões mais delicadas como as dúvidas e informações corretas para a adaptação de um carro. “Demonstrei nosso interesse em trabalhar com os deficientes e pedi uma sugestão mesmo sobre como investir nesse mercado. Quando falei isso, o presidente da época encheu o olho d’água porque nem ele tinha habilitação. Naquela hora eu percebi que era aquilo que eu precisava viver para entender que estava no caminho certo”.
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A partir da ajuda da associação, o empresário conseguiu colocar em sua autoescola um carro totalmente adaptado. “Me ajudaram bastante em questão de escolha do veículo, da adaptação, principalmente por questão de abertura de portas, altura de bancos, enfim, fizemos uma parceria mesmo, porque é um público que ajuda um ao outro”.
Foi além!
Quando resolveu que investiria e faria de tudo para ver os sonhos dos deficientes se tornar realidade, Jeferson foi tachado de louco. “A princípio falaram ‘pra que investir nesse ramo, pois vai ser um investimento alto, você não vai ter que adaptar só o carro, vai ter que adaptar a empresa’, mas eu quis fazer. Essas pessoas precisam ter uma vida normal e a habilitação faz parte disso”.
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O carro foi só a primeira grande adaptação da autoescola, mas Jeferson foi além: faltava a moto. “Eu não pensava na moto, achava que ninguém se interessaria, mas os próprios alunos começaram a me questionar e pedir que tivéssemos, aí comecei a pesquisar e descobri que aqui no Paraná seria impossível, porque não temos uma empresa credenciada com o certificado de adaptação veicular”.
Mantendo a mesma força de vontade que teve para trazer o carro adaptado, Jeferson começou a procurar pela solução. “Fui ao Detran e perguntei sobre a moto, mas me disseram que não tinha moto para autoescola no Paraná. Me disseram que eu teria que comprar em outra região do país, então busquei e achei em São Paulo”.
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Desde os últimos meses, a autoescola Itupava acabou se tornando a mais completa da cidade (e na questão da moto a do Estado), com o atendimento às mais diversas necessidades dos portadores de deficiência. Jeferson destaca que, embora o custo da formação não seja diferente das habilitações comuns, o investimento não foi baixo, mas faria de novo. “O custo é muito alto, porque embora a gente tenha resolvido trabalhar com PCD, não temos desconto ou incentivo nenhum para isso. No caso da moto, por exemplo, o preço para a gente chega a ser três ou quatro vezes o valor de uma moto comum, é muito alto, mas eu insisti e não me arrependo”, defende ele, destacando que a moto usada na autoescola é uma moto documentada como triciclo.
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Mesmo processo
Assim como em todas as primeiras habilitações, o processo precisa passar pelo Detran. Acontece que, no caso do PCD, o candidato à primeira habilitação precisa de uma documentação específica. “A pessoa vai até o Detran, dá entrada no processo e é marcado um exame com uma junta médica, que vai emitir um laudo dizendo qual a adaptação o aluno vai precisar para o carro ou moto”, explica o instrutor Luiz Gustavo da Costa Alves.
Com o laudo em mãos, aí sim a pessoa pode começar o processo comum de habilitação. “Vem até a autoescola e, antes de tudo, verifica se o carro ou a moto tem a adaptação que ele precisa. Se atender às adaptações, começa o curso normal: primeiro com aulas teóricas, que são as mesmas que qualquer pessoa faz, depois passa pelo exame teórico no Detran e, se aprovado, segue com as práticas”.
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No caso da autoescola Itupava, o instrutor disse que as adaptações que foram feitas no carro atendem cerca de 90% das necessidades que os alunos precisam. “Mas a gente sempre diz que o ideal é que a pessoa passe pela junta médica, pois assim ela vai saber se o carro está correto ou não. No caso da moto, da mesma forma‘.
Sonho realizado mesmo!
Desde que começou a atuar com os alunos PCD, a autoescola Itupava já habilitou 58 pessoas para carro e 12 para moto. Entre estes alunos está a jovem Katianne Thaiz, 19 anos, que já pode sair dirigindo por aí se quiser. A jovem, que teve um cisto na coluna e, aos 14 anos, perdeu os movimentos, disse que sempre buscou ter uma vida comum, mas faltava a habilitação. “O que eu percebo que é que, quando se trata de PCD, falta muita informação. Eu mesmo nem sabia que poderia tirar a habilitação”.
Ela, que passou em medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e que mantem um canal no YouTube, disse que se viu ainda mais surpresa quando fez um vídeo falando do assunto. “Quando dei entrada no processo, joguei um vídeo contando que poderíamos sim tirar e muita gente se surpreendeu dizendo que não sabia. É por isso que eu digo, mais do que adaptação, falta informação”.
Depois de começar o processo, Katianne percebeu que a autoescola não só adaptou os veículos como também se adaptou de modo geral. “Eles fizeram toda uma adaptação na estrutura em si, não só no carro. Foi tudo muito máximo. Antes de perder os movimentos eu tinha uma vida normal e agora percebi que nada mudou. O fato de poder dirigir nos dá uma independência, é muito bom se sentir livre, independente”.
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No caso de Edicleia Aparecida Carneiro Fontes, de 45, que sofre de uma síndrome rara que afeta todo o sistema muscular, a Ehlers-Danlos, a possibilidade de tirar a CNH foi mais do que um sonho. “Ganhei a carteira de um grupo de amigos do hospital, mas desisti de fazer porque não tinha uma autoescola para PCD, não encontrava, até que um médico me indicou essa e comecei a fazer”.
Edicleia, que disse ter procurado várias autoescolas, comentou que a atitude do empresário é o que deveria se espalhar. “Quando eu descobri que a autoescola dava aula para PCD, eu perguntei se o dono era PCD, porque ninguém se importa com a gente. Acabamos sendo um estorvo para os ditos ‘normais’, porque precisa mesmo de adaptação, estrutura, mas ninguém se coloca no lugar do PCD”, disse ela, que já passou na de moto e vai para o carro.
“A moto era uma coisa que eu achava que não era capaz, mas você não tem noção da sensação que senti quando descobri que eu posso, foi muito bom. As pessoas deveriam se permitir. Se informem mais e, se possível, tirem. Se tem dúvida, pelo menos, faça um teste, porque eu digo que vai muito além da carteira de habilitação, é muita conquista por trás disso”.
Realização conjunta
Raul Seixas escreveu que “sonho que se sonha junto é realidade” e foi bem isso que não só Jeferson, mas todos os funcionários da autoescola passaram a comprar: o sonho de cada aluno PCD. “Cada aluno que chega aqui é uma história de vida. A alegria é tanta no primeiro dia de aula que é uma coisa contagiante. Um pai ver um filho sair dirigindo é uma emoção que não dá para explicar. No dia do Detran, quando a pessoa é aprovada, é uma coisa fenomenal”, disse Jeferson, o proprietário.
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