Manhã de sábado e o telefone não para de tocar. A reposta é sempre a mesma: “não tem mais. Acabou!”, quem atende é Clair Evangelista da Silva, dono de uma distribuidora de gás no bairro Boa Vista, em Curitiba. Sem botijões no estoque desde quinta-feira (24), o empresário lamenta não poder atender os clientes que, a todo o instante, estacionam à porta do estabelecimento – que é um dos únicos ainda abertos da região – ou telefonam em busca de gás. “Lá em casa só tenho pra mais 20 dias. Vim aqui na esperança de achar alguma coisa, mas não tem mais nada”, lamenta o aposentado Antonio da Silva, 68, enquanto toma o rumo de casa. Diante da ausência do produto, Clair prevê interromper as atividades temporariamente, até que novos carregamentos cheguem. “Talvez eu nem abra na segunda”, disse.
Para o empresário do mesmo segmento, Rafael Cordeiro, parar foi a única opção. Proprietário de uma revendedora de gás no bairro Boqueirão, o comerciante – que trabalha com entregas – foi obrigado a estacionar seu caminhão já na tarde de sexta-feira (25), quando o último botijão foi entregue. Sem previsão de retomar as atividades, o empresário está apreensivo e afirma que, em 30 anos de profissão, viu uma crise como essa apenas uma vez. “Na década de 1980, teve um período grande de greve no qual interrompemos a distribuição por 45 dias. Fora isso, nunca vi faltar gás como agora”, declarou.
Tendência nacional
Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Entidades de Classe das Revendas de Gás LP (Abragás), até as 17h de quinta-feira (24), 50% das revendas de Curitiba e Região Metropolitana não tinham mais botijões para vender e, neste sábado (26), o órgão confirmou que o estoque, definitivamente, acabou. “Até o fim da tarde de ontem ainda era possível encontrar botijões à venda. Agora é oficial. Revendedoras estão com os estoques 100% zerados não só em Curitiba mas em todo o estado”, afirmou o presidente da Abragás, José Luiz Rocha.
Prontos pro banho frio?
Segundo Rocha, não é possível mensurar o prazo exato para que os curitibanos comecem a se acostumar com a ideia de tomar banho gelado e consumir alimentos crus, já que a quantidade de gás varia de residência para residência. “Quem mora em prédios e condomínios, normalmente conta com estoques maiores. Já pra quem depende dos botijões pra banho e cozinha, vai depender de quanto ainda tiver pra gastar. Um botijão dura de 15 a 40 dias numa casa, vai do uso. De qualquer forma, a situação é alarmante”, diz. Apear disso, em nome do sindicato, Rocha afirma que os empresários não se posicionam contra a greve dos caminhoneiros, mas defendem a manutenção de serviços essenciais. “Nós compreendemos e apoiamos o movimento. A questão dos combustíveis também nos afeta. Porém não é plausível que a população seja tolhida de fruir de serviços básicos como esse, por conta do protesto”, ressalta.
Consumidor no prejuízo
Enquanto isso, como sempre, quem sofre é o consumidor. Com gás suficiente para apenas mais uma semana, a gerente de projetos Cristiane Wolanski da Costa, 38, está congelando comida para garantir as próximas refeições. Com duas filhas pequenas, a moradora do bairro Uberaba, já traçou o “plano b”: “o jeito vai ser usar forno elétrico e micro-ondas. Ou viver à base de pipoca”, ironiza. Em relação à paralisação dos caminhoneiros, ela afirma já não saber mais até que ponto concorda. “Sou favorável à manifestação mas quando afeta a coletividade a este ponto, algumas questões merecem ser revistas. Deveria haver um meio termo”, finaliza.