Tarde de quarta-feira. Na penumbra do quarto situado no primeiro andar do setor de cuidados paliativos do Hospital Erasto Gaernter, no bairro Jardim das Américas, em Curitiba, o intenso vai e vem de médicos e enfermeiros quase passaria despercebido não fosse pelas sombras dos passos que para lá e para cá aparecem sob o vão da porta fechada. Respirando com dificuldade, Isaías de Souza, 75, tem o cochilo interrompido de súbito. Alguém entrou no quarto. Ao invés, porém, de reclamar frente a surpresa inesperada, a reação do paciente terminal é bem diferente. Diante do velho amigo, Isaías abre um largo sorriso. Quem visita é o doutor Luiz Sergio Alves Batista II, médico da equipe de cuidados paliativos da unidade, cuja presença ali tem uma única finalidade: trazer alívio às dores do corpo e da alma na reta final da vida.
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Em homenagem ao Dia do Médico, celebrado em diversos países na data de hoje, a Tribuna foi conhecer o trabalho dos profissionais da medicina cuja especialidade é “fazer a ponte” entre a vida e a morte, ajudando pacientes em estados terminais a enfrentarem com calma e sobriedade a última etapa antes de morrer.
“Desenganado”
Utilizado no jargão popular em referência ao paciente cuja patologia já não encontra solução, o termo diz respeito ao público alvo do chamado “cuidado paliativo”. Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a medida é aplicada nos casos em que os tratamentos médicos já não ajudam mais a combater as patologias que ameaçam a vida do paciente, restando aos profissionais tão somente proporcionar o máximo conforto fisiológico e mental ao enfermo. Nessas horas, além do apoio da família, profissionais especializados podem fazer toda a diferença entre a tragédia e a serenidade.
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Para a sobrinha de Isaías, a auxiliar administrativa, Elmari Bescrovaine, 56, a ajuda da equipe tem sido essencial para a manutenção do humor do idoso durante o internamento. “Quando o doutor Luiz entra, os olhos dele chegam a brilhar. Ele vem, conversa, vê se meu tio precisa de algum remédio, dá uma atençãozinha. É o que basta para ele ficar mais alegre o resto do dia”, revela.
Bom seria se todos os pacientes respondessem ao tratamento da mesma forma que seu Isaías. Quando o assunto é encarar a morte, no entanto, é compreensível que nem todo mundo apresente a mesma temperança. Segundo o próprio médico, porém, mesmo nos casos nos quais o paciente não apresenta o mesmo ânimo de enfrentamento, o apoio dos profissionais paliativistas é fundamental. “Nosso papel vai além de simplesmente lidar com a perspectiva da morte. É ajudar o paciente em estado terminal a reafirmar a vida. Quando está perto de morrer, o ser humano faz diversos questionamentos e uma das funções do paliativista é ajuda-lo a ressignificar essas angústias e aliviar quaisquer dores físicas ou psicológicas”, explica o profissional que atende mais de 100 pessoas nessa situação por mês.
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Última ajuda
Conduzido com base em muita conversa e reforço de identidade, o tratamento é viabilizado por uma equipe interdisciplinar que conta com especialistas nas áreas de geriatria, psicologia, clínica geral entre outras. Engana-se quem pensa que a regra é sempre mandar o paciente “aproveitar” os últimos dias em casa, como se costuma ouvir de vez em quando. “Cada caso é um caso e o ideal é avaliar aquilo que é mais importante pra cada um naquele momento. Nem sempre ir pra casa é a melhor alternativa”, explica. Para tanto, segundo Luiz, o vínculo médico-paciente é essencial. “Dessa forma temos capacidade de compreender melhor a vontade do paciente e auxiliar na condução daquilo que vai ajudá-lo a sentir-se bem”, diz.
Se ao imaginar-se na pele de um paciente terminal você supõe que única preocupação seja realizar os últimos desejos, saiba que a maioria das pessoas que enfrenta essa situação encara o momento como um “balanço” de tudo que se viveu e, surpreendentemente, os questionamentos mais comuns no leito de morte giram em torno de questões elementares, nem sempre devidamente valorizadas em vida. “Ninguém nasce preparado para ouvir que vai morrer. Quando isso acontece, o que mais se costuma ouvir dos pacientes são lamentações por terem perdido momentos importantes ao lado de amigos e familiares”, explica o psicólogo da equipe, Ronny Kurachiki.
Segundo o especialista, outra “queixa” comum entre pacientes nessas condições é a culpa. “Muita gente carrega arrependimentos por ter cometido erros ou não ter feito as melhores escolhas em vida. Quando há culpa, buscamos apresentar outro significado àquelas questões de forma que o paciente se compreenda e enxergue essas circunstâncias de maneira leve e sem peso sobre si”, diz.
Por fim, perguntamos à equipe de médicos que tipo de “conselho” se costuma dar ao enfermo ou familiares nessas circunstâncias. Seja pelo fato de trabalharem lado a lado com a morte, seja pelo aprendizado galgado a partir do amparo a tantas vidas, os paliativistas tinham a resposta na ponta da língua. “O importante é viver o momento presente. Deixar de lado pequenas intrigas, discussões e picuinhas do dia a dia e valorizar o que de bom já se tenha conquistado. As pessoas costumam achar que só terão felicidade quando alcançarem objetivos x ou y, mas o que realmente importa é viver intensamente o agora”, disse a geriatra Patrícia Marchiori. Justo. E válido também para quem, na manhã de hoje, não acordou num quarto de hospital.
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