Da rua pras ondas

No topo de uma elevação entre o mar e a cidade de Matinhos, à beira da praia, existe uma pequena edificação a que se chega através de escadarias de madeira. É o Mirante do Pico de Matinhos. Neste local funciona desde 2008 o Projeto Ondas do Saber, desenvolvido pela Ocean (Organização Centralizada de Esportes Aquáticos de Matinhos), ONG presidida por Renato Rogue, que também promove competições de surfe no município. “O nosso objetivo com este projeto não é formar surfistas, mas formar cidadãos conscientes, tirar a criança da rua, aproveitar o contraturno escolar para dar a estas crianças informações que possam ser úteis em suas vidas”, diz.

O projeto é um dos três desenvolvidos no município para alunos de escolas da rede municipal. Além da prática do surfe, existem outros dois que utilizam conceitos da capoeira e do taekwondo para estimular as crianças na prática de esporte enquanto assimilam noções de cidadania. O da Ocean é conhecido como “A Escolinha do Surfe”, que reúne 350 estudantes, de sete escolas municipais: Wallace Tadeu de Melo e Silva, Francisco Carlin dos Santos, Caetano Paranhos, Luís Carlos dos Santos, Elias Abrahão, Oito de Maio e Monteiro Lobato. O projeto conta com pedagoga, professor de educação física, seis instrutores de surfe e dois coordenadores.

Renato Rogue diz que o projeto recebe R$ 27 mil mensais da prefeitura. A ONG fornece roupas de borracha, pranchas, transporte, material escolar e pedagógico, além de lanches. Sempre em novembro, é feito o Festival Ondas do Saber, do qual participam todos os alunos envolvidos. A pedagoga Mariane Bassfeld é uma entusiasta: “As crianças gostam do surfe. Mas nós fornecemos educação ambiental, levamos para conhecer áreas florestais, entre outras atividades. Usamos o surfe para falar de rosa dos ventos, porque o surfista tem que saber a diferença entre o Vento Sul-Sudeste e o Vento Nordeste e assim por diante”. Para as crianças, não tem coisa melhor.

“Eu acho ótimo”

Foto: Felipe Rosa.
Projeto é desenvolvido para alunos de escola da rede municipal. Foto: Felipe Rosa.

Existem muitas iniciativas em outros municípios semelhantes às desenvolvidas em Matinhos pela Ocean. No entanto, impressiona o entusiasmo das crianças pelo surf. O aluno Carlos Henrique de Souza Paz Giacomini, 9 anos, diz: “Eu gosto da sala de aula, porque a gente aprende. Eu gosto de estudar”. No entanto, quando fala das atividades na escolinha de surfe, seus olhos brilham. Seu sonho é ter uma prancha. Sonho e objetivo: “Meu pai está em Curitiba. Ainda não tenho prancha. Mas eu sei que quando eu aprender a surfar direito vou ter uma”.

A garota Amanda Eduarda da Silva, 8, conta que uma de suas maiores emoções como estudante foi no dia em que surfou pela primeira fez. “Eu acho ótimo vir aqui. Eu gosto bastante. A primeira vez em que eu subi numa prancha foi muito incrível”, relata. E assim, entre sala de aula e o mar, os alunos passam momentos que consideram inesquecíveis. E o mais importante é que enquanto estão participando do projeto, estão longe das ruas e de seus perigos.

“Sempre tive este sonho”

Projeto tira crianças das ruas e dos perigos. Foto: Felipe Rosa.
Projeto tira crianças das ruas e dos perigos. Foto: Felipe Rosa.

O idealizador do projeto Ondas do Saber em Matinhos é o surfista Peterson Rosa, 40 anos, que fez carreira internacional e é ainda o único tricampeão brasileiro profissional de surfe. Nascido no Guarujá, em São Paulo, Rosa veio para Curitiba com poucos meses de idade por causa de uma infecção. Acabou ficando no Paraná e foi criado por seu avós, Silvio Hoogevoonink e Iracema Luiza Teodoro. Como o avô sofria do coração, por sugestão médica ele foi morar em Matinhos e levou o neto, que passou a praticar o surfe. E virou um dos principais nomes nacionais deste esporte.

“Eu sempre tive o sonho de fazer alguma coisa que valorizasse o meu estado e a minha cidade. E tinha que fazer numa área que eu conheço, que é o surf. Foi assim que eu tive a ideia de desenvolver este projeto. As pessoas sempre me perguntavam: como é Matinhos, tem onda por lá? Poucas pessoas sabem que aqui tem o melhor tubo do Paraná e a melhor onda direita do Brasil. Então, através deste projeto, a gente procura valorizar a nossa cidade e a nossa gente. A nossa preocupação é formar cidadãos, proporcionar atividades para a criança em tempo integral. Detalhe importante: para fazer parte do projeto, a criança precisa ter nota azul. O surfe é importante, mas ela não pode descuidar de seus estudos”, destaca.

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