Mentir, omitir, exagerar, inventar histórias e, se nada der certo, recorrer ao bom e velho “não me lembro”. Se antes valia tudo quando o assunto eram processos na Justiça do Trabalho, o artigo 791 cujo texto integra a reforma que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em novembro do ano passado – mudou radicalmente essa história. Com o advento da nova regra, “espertinhos de plantão” têm pisado no freio antes de buscar vantagem sobre os conflitos trabalhistas. Para quem duvida, dados do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) não mentem. Segundo a instituição, o número de ações movidas na Justiça do Trabalho caiu drasticamente logo nos primeiros meses de 2018. Para tanto, não foi necessário mexer em muita coisa. Apenas no bolso dos litigantes.
Encarada com ressalvas por juízes e advogados, a determinação que atribui o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ao trabalhador que perde a ação na Justiça, refletiu sobre os tribunais do país imediatamente após o advento da reforma. Os valores são salgados. Se antes o reclamante não arcava com despesas em processos perdidos contra a empresa ou o empregador, agora de acordo com a nova lei – ele fica responsável pelo pagamento de uma taxa de 2% referente às custas processuais. Além disso, caso perca, o trabalhador também deve arcar com o valor de 5 a 15% sobre o total da ação a título de honorários, além de eventuais custas periciais. Para se ter uma ideia, numa ação de R$100 mil por exemplo, o vencido fica sujeito ao pagamento de cerca de R$17 mil: mais que o suficiente para fazer qualquer um pensar muito bem antes de se aventurar.
Dados divulgados no início do ano pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) davam conta de que o número de ações recebidas em primeira instância, um mês depois da entrada em vigência da nova lei, foi 42,1% menor do que a média mensal até então. Segundo o TST, o número médio de ações trabalhistas impetradas em todo o Brasil recuou de uma média de 200 mil por mês, para 84,2 mil em dezembro de 2017.
No Paraná não foi diferente. De dezembro de 2016 a maio de 2017, o número de demandas trabalhistas batia a marca das 73.812 ações. Já no período “pós-reforma”, compreendido entre dezembro de 2017 e maio 2018, foram 35.180 processos abertos no estado. Fazendo os cálculos, isso significa uma redução de 47,66% de ingressos em juízo: quase a metade do que de costume.
Com o pé atrás
Entre profissionais do segmento, a reforma também trouxe consequências. De acordo com o advogado e doutor em Direito do Trabalho, José Affonso Dallegrave Neto, a mudança no comportamento dos litigantes é percebida com certa preocupação pelos advogados do setor. “Na prática, notamos que a procura por tutela jurídica diminuiu em torno de 70% nos escritórios. Os trabalhadores se sentem intimidados em procurar seus direitos porque o valor a ser pago, caso sejam vencidos em processo, muitas vezes, ultrapassa sua possibilidade”, explica. Para Dallegrave, ao passo que medida imprimiu parcimônia no postulante de má fé, trouxe, ao mesmo tempo, uma sensação de insegurança sobre aqueles que genuinamente buscam seus direitos. “As pessoas têm pensado de forma mais responsável antes de entrar com processos. Agora o postulante só ingressa em juízo nos casos em que tem quase certeza que pode ganhar. Ao mesmo tempo, muitos trabalhadores se sentem desestimulados a procurar a Justiça. O direito trabalhista é um direito social e a reforma inibiu o trabalhador a buscar os seus direitos”, pondera.
Da mesma forma, o mecanismo tem sido encarado com reservas pelo judiciário. De acordo com a presidente do TRT-PR, a desembargadora Marlene Fuverki Suguimatu, acima do próprio ônus que recai sobre o trabalhador financeiramente desfavorecido, a própria finalidade dos honorários de sucumbência merece ser analisada quando o assunto é a nova lei. “A impressão que fica é que os honorários de sucumbência que num primeiro momento destinam-se a remunerar o trabalho do advogado acabam sendo aplicados como punição sobre quem ingressa em juízo”, afirma.
Segundo a desembargadora, o receio de pleitear direitos trabalhistas só deixará de existir entre os trabalhadores a partir do momento que a questão seja reavaliada pelas instâncias superiores, que têm analisado a constitucionalidade do artigo no que tange, principalmente, os beneficiários da Justiça gratuita. Até a decisão definitiva, no entanto, Marlene recomenda aos trabalhadores que se sentem lesados, que não se intimidem em buscar a Justiça. “As pessoas não podem simplesmente se calar. A orientação é que o trabalhador procure um advogado idôneo que o oriente a respeito das perspectivas de ganho de causa. Sindicatos e o próprio Ministério do Trabalho também podem fazer esse papel. O importante é que o trabalhador se sinta amparado e bem orientado, não em empreender aventuras, mas em não abandonar seus direitos”, finaliza.