Era o quarto dia de Girls Rock Camp Curitiba quando chegamos até a escola Lápis de Cor, no bairro Alto Boqueirão, em Curitiba, durante a tarde da quinta-feira (24). Já na recepção da escola ouvi de longe alguns gritos misturados com notas musicais. Por alguns segundos, cheguei a ‘’viajar’’, lembrando do meu tempo de escola, e só retornei para o presente quando uma moça simpática apareceu, perguntando quem eu procurava. Expliquei que era da Tribuna e que eu estava ali para conhecer o acampamento musical. Alguns minutos depois, a Luana Angreves, voluntária e assessora do evento, me recebeu.
Com um sorriso largo ela me abraçou como se me conhecesse há anos. Sem rodeios e sem conversarmos muito, ela me disse: “Já chorei três vezes hoje, é muito emocionante”. De início não entendi muito bem, mas continuei andando por alguns pequenos corredores. Passamos por uma porta de madeira e quando Luana abriu, vi um pátio cheio de meninas – de 7 a 17 anos tagarelando, fazendo camisetas e ensaiando músicas. O mais legal é que elas estavam felizes, em sintonia, se respeitando e praticando a sororidade. Palavra nova para alguns, mas velha conhecida para outras, sororidade é empatia, união e amizade entre mulheres. Mulheres são (ou deveriam ser) amigas.
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O acampamento musical nasceu há 18 anos em Portland, nos Estados Unidos. Atualmente ele acontece, com o mesmo nome e intenção, em quase 100 cidades espalhadas pelo mundo. Aqui no Brasil o evento começou em São Paulo, Porto Alegre e chegou a Curitiba no ano passado. O propósito? Fortalecer a autoestima e os laços das meninas, ensiná-las a tocar um instrumento e, claro, deixá-las desinibidas para subirem num palco para um show musical. Com duração de cinco dias – mais o espetáculo de encerramento -, a semana é repleta de atividades em grupo. Para isso acontecer, 65 voluntárias passam por um treinamento e cuidam de 48 meninas. Metade das vagas deste ano foi destinada para garotas de comunidades carentes. As demais pagaram R$ 300 de inscrição.
“Aqui elas podem falar sobre os problemas delas, vontade delas, em um ambiente seguro e acolhedor, tendo a música como ‘pano de fundo’. Eu vejo que as meninas não são muito estimuladas. Claro que existem famílias e famílias, mas poucas têm o estimulo de tocar, de aprender a tocar algo em conjunto. Estamos fazendo a segunda edição do evento em Curitiba e como eu tinha algumas amigas de São Paulo que organizavam lá, chamei um grupo de mulheres para fazer este projeto aqui”, disse Roberta Cibin, 38 anos, coordenadora do Girls Rock Camp Curitiba.
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Para realizar o acampamento e deixar tudo muito organizado, as voluntárias explicaram que dividem as tarefas, que não são poucas. Algumas dão aulas de instrumentos, outras trabalham na cozinha, já que as meninas almoçam e lancham ali, e outras registram em fotos e vídeos – todos os momentos. Além dessas divisões, algumas voluntárias ajudam a carregar instrumentos, passam o som, decoram as salas e montam as atividades. Uma das responsáveis pelas fotografias é a fotojornalista Marcela Mattos, 37 anos, que mora em Santos, São Paulo. Como os acampamentos geralmente acontecem em janeiro, em todas as cidades do Brasil, ela monta a agenda de trabalho com base nos eventos, para que ela possa participar de todos. Marcela é voluntária desde 2013.
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“Hoje o ‘camp’ representa a melhor semana do ano pra mim, é para recarregar as energias, para conseguir encarar as outras coisas ao longo do ano”, disse. Marcela disse que participa desde o primeiro evento no Brasil, em Sorocaba, e como já participava de uma rede feminista do rock, se uniu com outras amigas para fazer o evento em São Paulo. A primeira edição teve a participação de 60 meninas, sem que as organizadoras soubessem o que esperar. “Ao longo dos anos o evento só se consolida e nós achávamos que iríamos passar muitas coisas para essas meninas, mas elas passam muito mais pra gente. É muito aprendizado para elas e, para nós, voluntárias, mais ainda. Sou feminista desde os 15 anos e ao longo de uma semana a gente vê o resultado da semente que plantamos, elas mudam. É transformador. Algumas meninas nós acompanhamos crescer, algumas aprenderam a trocar instrumentos e hoje voltaram como estagiárias”, contou.
Semente do bem
“Meu marido fica muito orgulhoso da nossa filha e de mim. Ele até me disse que na apresentação final vai de óculos, porque vai chorar”, contou rindo a música Isis Sophia, 26 anos. Ela se inscreveu como voluntária e logo na sequência inscreveu a filha, Luria Siounx, de sete anos. “Nós conseguimos uma vaga e quando cheguei para o treinamento, já foi uma emoção muito grande, porque temos uma ligação, uma energia muito grande, só nós, mulheres, unidas por uma causa. Parece que conheço as meninas há anos e todos os dias acompanhamos as crianças, quando elas começaram a escrever as letras, conseguimos ver o pensamento de cada uma delas. Eu e meu marido somos músicos e eu vejo minha filha muito animada, empolgada e cheia de histórias para contar em casa”, finalizou.
E, de fato, histórias não faltam. Enquanto tocava a música Oração - “coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na despensa, cabe o meu amor” – em uma flauta doce, a pequena Luria quase me fez chorar. Ela me contou que “amou demais” o acampamento e que ano que vem quer participar de novo. “Eu amei, fiz muitas amigas e até ensinei elas a tocarem flauta, agora a gente criou a música Unicórnio Rosa e vai ser muito legal”.
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O objetivo do projeto é ajudar as meninas a se divertir e a entender que elas tem segurança e liberdade para fazer escolhas em suas próprias vidas, coisa que o rock e a música fazem muito bem. De preferência, com música. “Música pra mim é algo muito importante. Esse projeto abriu minha cabeça, porque tinha música, coletividade, mulheres e feminismo. Acredito nesta união das mulheres. Falamos pra elas sempre: vocês podem ser o que quiser, podem fazer o que quiser e vão conseguir o que quiser. Você pode tocar mesmo não sendo muito boa. É pra se divertir”, concluiu Roberta Cibin, 38 anos, coordenadora do Girls Rock Camp Curitiba.
No sábado, dia 26 de janeiro, acontece o show das bandas no Basement Cultural. A casa abre às 16h e às 17h começam os shows das meninas. A entrada custa R$5 e o valor ajudará na produção do evento de 2020.
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