Noite de sexta-feira. No terminal de embarque da Rodoviária de Curitiba, quem vê a jovem Sandra Regina dos Santos, de vinte anos, saltando feliz para dentro do ônibus não imagina o perrengue que a faxineira passou nos últimos cinco dias. No painel eletrônico do coletivo, o destino da viagem: município de Palmitos, no interior de Santa Catarina, cidade onde mora. Nos olhos da jovem, o brilho da esperança e no coração um só sentimento: gratidão. Viabilizado pela Casa de Acolhida e Regresso (CAR) da Fundação de Ação Social da Prefeitura de Curitiba (FAS), o retorno de Sandra à sua cidade de origem foi providencial já que, sem recursos para pagar pela passagem de volta, a jovem, já sem perspectivas, cogitava recorrer às esmolas para juntar o dinheiro necessário.

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Assim como Sandra, muita gente que precisa deixar Curitiba e não possui condições de pagar pela viagem para seu estado de origem recorre ao serviço que, desde 1993, atende uma média de 800 pessoas mensalmente na unidade situada no terminal rodoferroviário de Curitiba. Destinado a pessoas ou famílias em situação de vulnerabilidade social, a CAR, somente esse ano, já ajudou 379 pessoas a voltarem para casa, evitando assim que se instalassem nas ruas da cidade, vindo a agravar ainda mais problemas como a indigência e até mesmo a segurança pública.

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Foi quase o que aconteceu com Sandra que, numa versão de terror do filme “O Terminal”, estrelado pelo ator Tom Hanks, viveu na pele o desafio de transformar a Rodoviária da cidade em sua casa. Nos últimos 7 dias, a catarinense se virou como pôde. Sem banho ou comida, a faxineira se abrigou sob as marquises do terminal para se proteger da chuva e dividiu suas poucas horas de sono entre um banco e outro da estação. “Não conseguia dormir por medo. Encontrei um banco perto do posto policial e dormi por ali mesmo. Sem ajuda alguma, eu já não sabia o que fazer para continuar. Antes eu jamais tivesse saído de casa”, desabafa.

A triste história, marcada por uma sequência de infortúnios, felizmente terminou bem. “Vim pra Curitiba a convite de uma pessoa com a qual eu conversava há 6 anos pela Internet. Nos relacionávamos virtualmente e ela me fez o convite para que viesse a Curitiba conhecê-la, mas eu não tinha dinheiro para comprar as passagens”, conta. Com a condição de que a passagem de volta para Palmitos fosse paga pela “anfitriã”, Sandra deixou a filha pequena aos cuidados de sua mãe e, com uma mochila pequena, veio à Curitiba na esperança de conhecer sua “cara metade”.

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Quando chegou aqui, no entanto, o desfecho não se deu como ela esperava. “Desembarquei aqui e ela não veio me buscar como disse que faria. Parou de responder minhas mensagens, não atendeu às minhas ligações e nem endereço me passou”, conta.

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Sem dinheiro algum e sem ajuda para voltar a Palmitos, Sandra manteve-se forte como pôde durante 5 dias, totalmente abandonada na Rodoviária de Curitiba. “Uma tarde um policial veio me abordar achando que eu era indigente. Naquela hora eu comecei a chorar sem parar e contei o que tinha acontecido comigo. Foi ele que me indicou a CAR e disse que eles poderiam me ajudar. Eu mal acreditei”, revela.

Atendida pelo serviço e ouvida pelas assistentes sociais, Sandra recebeu apoio imediato, passando por uma “triagem” onde verificaram que ela, de fato, tinha para onde voltar. “É o procedimento de praxe. Sempre que atendemos alguém entramos em contato com os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) dos municípios para comprovar o vínculo da pessoa ao local e, depois de nos certificarmos de que a pessoa não ficará desamparada, realizamos o atendimento, compramos a passagem de ônibus e embarcamos o passageiro, normalmente no mesmo dia”, explica Débora Maria Pacheco de Carvalho, assistente social e coordenadora da CAR.

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Ajuda em boa hora

Inaugurado há 25 anos pela primeira-dama e então presidente do órgão, Margarita Sansone, o serviço bancou, somente nos últimos dois anos, 469 passagens de ônibus para migrantes (indivíduos vindos de outros estados) e imigrantes (indivíduos vindos de outros países). Com aumento significativo da procura pelo serviço, somente em janeiro 2019, quase 400 pessoas retornaram ao lar a custo de R$ 45 mil, segundo a administração municipal.

Muitos se perguntam o por quê de tanta gente vir para Curitiba e os motivos pelos quais decidem ir embora. Segundo a coordenadora, casos envolvendo desaparecidos e pessoas que fogem de suas casas seja por conflitos familiares ou até mesmo ameaças de morte, são bastante comuns. “Há também aqueles que fogem dos hospitais. Nesses casos a gente entra em contato com a instituição para que o paciente seja recolhido de volta até que receba alta”, revela.

Segundo a coordenadora porém, o chamariz principal que atrai a maioria dos forasteiros para Curitiba é um só: a busca por emprego. “A maioria vem em busca de trabalho ou para fazer algum tratamento de saúde e, quando não dá certo ou lhes falta recursos para se manterem aqui, procuram o serviço”, explica.

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É o caso do pintor sergipano, Ruan Julio Teixeira, 25, que veio parar em Curitiba graças a uma empresa fantasma com a qual negociou uma contratação no ano passado, ainda em São Paulo, onde estava morando na época. “Obviamente eu não sabia que era uma empresa fantasma. Junto comigo mais 28 funcionários fecharam na mesma semana e viemos todos pra Curitiba em busca de trabalho. Quando chegamos aqui era um galpão vazio sem CNPJ, sem nada”, revela.

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Com uma mão na frente e outra atrás, Ruan buscou a Polícia Civil onde chegou a registrar boletim de ocorrência contra os supostos contratantes. “Nos juntamos, tentamos falar com familiares, parentes e amigos para voltar, mas a maioria não conseguiu. Decidi ficar em Curitiba e tentar uns bicos”, conta Ruan que, para conseguir se manter durante os quase 5 meses nos quais tentou trabalhar em Curitiba, trabalhou limpando vitrines, banheiros e varrendo lojas em troca de refeições.

Frustrado e desabrigado, Ruan chegou a procurar os Centros Pop da Prefeitura. “Eu tentei muito, mas não deu nada certo. Fiz de tudo para achar um emprego mas não consegui. Entrei em contato com meu irmão que mora no interior do Sergipe e ele vai me receber de volta”, revelou o pintor a poucas horas do embarque providenciado pela CAR. Nos olhos, a emoção do retorno aos braços da família. “Meu coração está disparado. Não vejo a hora de estar em casa”, disse.

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Como recorrer ao serviço

Aberta ao público alvo de vulnerabilidade e risco social, a CAR atende de segunda a sábado, das 8h às 18h. Para ser atendido, basta comparecer à unidade localizada na Rodoferroviária de Curitiba, portando algum documento com foto ou boletim de ocorrência que embase a necessidade do atendimento. Com 4 educadores e 2 assistentes sociais, a casa procede o atendimento após entrevista socioassistencial e comprovação de vínculo com a cidade de destino. Normalmente as passagens são providenciadas no mesmo dia.

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