Muita gente diz que Curitiba é inovadora e parecida com algumas cidades de primeiro mundo. O comentário não é à toa, visto que a capital paranaense é marcada pelo pioneirismo. Coisas que foram inventadas aqui são adotadas no Brasil e em todo o mundo. E para comemorar os 326 anos de Curitiba, completados hoje, dia 29 de março, a Tribuna vai contar alguns destes casos. Alguns deles, os curitibanos de mais idade vão lembrar. Já os mais novos talvez não saibam ainda. E outros, talvez surpreendam. Boa leitura!
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Primeiro calçadão do Brasil
A ideia já existia em países europeus: fechar ruas e transformá-las em calçadão, para devolver as cidades já “infestadas” pelos automóveis aos pedestres. Lá na década de 1970, quando o então prefeito Jaime Lerner decidiu fechar a Rua XV de Novembro aos carros, obra que já tem 46 anos, a confusão foi enorme. Os cidadãos estavam perdidos, pois ninguém entendia como funcionaria um calçadão. Os comerciantes ficaram furiosos, acreditando que se tirassem a rua e as áreas de estacionamento da frente de suas lojas, perderiam clientes. E os arquitetos de todas as partes do mundo que vieram visitar a obra ficaram maravilhados com a humanização do espaço.
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Mas antes disso, que tal algumas curiosidades históricas da Rua XV de Novembro? Você sabe por que ela é conhecida por Rua das Flores? Não, não é por causa das floreiras redondas e sempre recheadas de cores que Lerner instalou ao longo do calçadão. Isso já vem desde o século XIX, por causa das numerosas flores que pendiam de varandas e janelas das casas e comércios da rua.
A capital era tão pequena que para cruzar os extremos da cidade, de leste a oeste, bastava caminhar pelas cinco quadras da Rua XV (de perto da Praça Osório, onde era o alagado do Rio Ivo, até um pouco antes da Praça Santos Andrade).
Ainda no século XIX, pela ocasião da visita da coroa portuguesa à Curitiba, a Rua das Flores foi rebatizada de Rua da Imperatriz. E em 1849, recebeu sua primeira iluminação pública, com lampiões a gás. O arquiteto e urbanista curitibano Claudio Forte Maiolino, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná, conta que ainda era moleque mas lembra de sua avó contando que, na mocidade dela, todos os dias um funcionário público passava acendendo os lampiões. Em 1889, a Rua da Imperatriz foi rebatizada e passou a se chamar XV de Novembro, em homenagem à data de proclamação da República no Brasil.
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Tempos modernos
A modernidade veio em 1926, quando a Rua XV foi asfaltada – até então era de macadame, uma técnica que consiste na colocação de três camadas de pedras de tamanhos diferentes, com escoamento da água nas laterais. O bonde elétrico, que funcionava na Rua XV desde 1913, parou de circular em 1952 e deu lugar à linha de ônibus Batel. Depois desta, surgiram outras quatro linhas: Bacacheri, Guabirotuba, Trajano Reis e Portão.
Logo, surgiram os primeiros automóveis e, na década de 60, o centro de Curitiba era uma confusão deles. As ruas eram cada vez mais alargadas para que os carros passassem e as calçadas diminuídas para serem transformadas em área de estacionamento. O pedestre perdia cada vez mais espaço e andar pelo Centro era um “bailar” entre máquinas.
Mas foi justo nesta época que Curitiba começou a despontar como pioneira em planejamento urbano no Brasil. Com base em observações em países de primeiro mundo, arquitetos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) criaram um plano de expansão da cidade (para que ela crescesse ordenadamente), que previa também o fechamento de algumas ruas centrais em calçadão, como forma de humanizar a cidade e devolvê-la aos pedestres.
O Plano Diretor (lei 2.828/66, o Plano Agache, segundo plano diretor de Curitiba, o maior já feito até aquela época) foi aprovado pelos vereadores e sancionado pelo então prefeito Ivo Arzua, em 1966.
Espanto e polêmica
No dia 19 de maio de 1972, o prefeito de Curitiba à época, Jaime Lerner, decidiu colocar em prática parte do Plano Diretor e iniciou as obras de fechamento da Rua XV de Novembro. Ele sabia que o assunto era polêmico e as obras poderiam ser embargadas. Então agiu com esperteza. Deixou para iniciar as obras às 18h de uma sexta-feira, pois o judiciário não funcionaria no fim de semana e não poderia julgar o mandado de segurança impetrado pelos comerciantes, defendidos pelo advogado René Ariel Dotti.
Neste horário, a Rua XV foi tomada por operários e caminhões de petit pavê e areia. Na segunda pela manhã, ao verem aquela bagunça toda, os comentários – no português culto da época – eram parecidos com: “Qual fora o louco que tivera tal berrante ideia?”. As obras duraram cinco dias e, quando os comerciantes terminavam um abaixo assinado pedindo a reabertura da rua, o calçadão já estava pronto.
Lerner “mobiliou” o calçadão com diversos bancos – dispostos como um jogo de sofá -, floreiras, quiosques de acrílico, mesinhas e luminárias redondas (que os curitibanos de mais idade vão se lembrar). Por isto, os jornais da época batizaram a Rua XV de “sala de estar urbana sem portas”, “jardim de lazer”, “extensão de nossas casas”, “praia do curitibano”.
O petit pavê branco do calçamento ganhou desenhos em preto que lembram o Paraná, artes chamadas de movimento Paranista, como formatos de pinhões estilizados, obra do artista Lange, de Morretes.
A aceitação dos pedestres foi enorme e, apenas dois ou três dias depois das obras prontas, os comerciantes começaram a parar de reclamar, pois a clientela aumentou e uma sensação de bem estar tomou conta. Esqueceram o abaixo assinado e passaram a se dedicar mais às vendas crescentes.
O sucesso foi tão grande que, pouco depois, o pequeno trecho da Avenida Luís Xavier (aquela quadra entre a Rua Ébano Pereira e a Praça Osório) também foi fechado e unido ao calçadão. A Boca Maldita, que já era conhecido por ser a “tribuna do povo”, onde os curitibanos se reuniam para discutir a política e diversos outros assuntos, ficou ainda mais fervilhante. Foi assim que Curitiba tornou-se pioneira da humanização urbana no Brasil.
Infância na XV
Falando em alegria, logo foram as crianças que tomaram conta da Rua XV. Todos os sábados de manhã, funcionários da prefeitura chegavam por lá com enormes rolos de papel, tintas e pincéis. O papel era dividido em espaços de meio metro, onde as crianças caprichavam nos desenhos de árvores, casinhas e super heróis, e voltavam para casa lambuzadas de todas as cores de tinta.
Ali também havia o Bondinho – antigo bonde trazido da cidade de Santos (SP), que era como uma “creche” temporária, onde os pais deixavam os filhos sob supervisão de recreadores enquanto faziam compras pelo calçadão da XV e arredores. O Bondinho funcionou assim até 1980, quando virou um centro de informações turísticas. Em 1989 voltou a ser das crianças e, anos depois, foi fechado. Passou anos sem uso, até ser recentemente revitalizado e transformado em casa de leitura, com empréstimo gratuito de livros e atividades de incentivo à atividade.
Nos anos 2000, o prefeito Cássio Taniguchi revitalizou os 850 metros do calçadão. Foram três meses de obras e a maior revitalização já feita ali. Uma das coisas que desagradou alguns foi a troca das luminárias redondas, substituídas por outras estilo “retrô”. Apesar da troca de estilo, o novo sistema de lâmpadas passou a iluminar melhor e economiza energia.
Declínio
Maiolino conta que o sucesso do fechamento da Rua XV foi tão grande, que foi copiado por diversas outras cidades brasileiras. “Na Europa, quase não existem shoppings. Os centros de compras são a céu aberto, inspiração que levou o Lerner a fechar a XV. Mas naquela época ainda não existia a marginalidade como hoje. Enquanto na Europa os centros de compras ainda permanecem nas ruas, aqui a insegurança fez surgirem os shopping centers. As classes A, B, e parte da C, migraram para os centros fechados porque as pessoas já não se sentem mais seguras nas ruas. A Rua XV virou um comércio mais popular, com preços menores”, analisa o urbanista.