Curitiba

"Fico envergonhado", diz vereador que votou contra reajuste do próprio salário na RMC

Escrito por Gustavo Marques

“Ganhava R$ 400. Não posso aceitar”, diz único vereador que foi contra reajuste de salário em Araucária

“Para quem ganhava no máximo R$ 400 antes de ser político, ganhar mais de R$ 9 mil é demais. Fico envergonhado com a proposta e por isso não posso aceitar”. Desta forma Aparecido da Reciclagem (PDT) justificou o fato de ter sido o único voto contrário ao aumento do salário dos vereadores de Araucária, na região metropolitana de Curitiba.

O aumento de quase 60% foi aprovado em primeiro turno no último dia 29. Os vereadores Xandão (PSL), Fabio Pedroso (PRP), Celso Nicácio (PSL), Germaninho Krzyzanowski (PR), Claudio Sarnik (Cidadania), Tatiana Nogueira (PSDB), Fábio Alceu (PSB) e Lucia de Lima (MDB) foram favoráveis ao reajuste. Aparecido, ex-catador de recicláveis, foi o único dos nove parlamentares a votar contra.

Se aprovado, em segundo turno na próxima terça-feira (10), a remuneração dos vereadores vai passar de R$ 5.992 para R$ 9.584,45, a partir da legislatura em 2021. Como argumento, os oito vereadores afirmam que o salário não é reajustado há 12 anos.

Aparecido Ramos Estevão, 50 anos, estudou só até a quinta série, é casado, tem seis filhos e mora em uma área de invasão no Jardim Califórnia desde 2003, quando aceitou o convite do cunhado para sair de Campinas (SP). No início, trabalhava como auxiliar de pedreiro. Após um acidente na mão direita, ficou impossibilitado de seguir na construção civil.

Tentou com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) receber o benefício do auxílio-doença, mas o processo foi indeferido. Com dificuldades de sustentar a família, passou a trabalhar de carrinheiro em Araucária, recolhendo lixo reciclável.

Com dificuldades de sustentar a família, Aparecido passou a trabalhar de carrinheiro em Araucária. Foto: Divulgação

“Naquela época, eu recebia muito pouco e aprendi a valorizar o dinheiro. Sei que muitos passam dificuldade e não posso pensar em mudar o meu pensamento. Eu sei o que é sofrer e isso (aumento no salário dos vereadores) é um tapa na cara da sociedade”, enfatiza o vereador.

Entrada na política

Em 2006, Aparecido começou a entregar panfletos de anúncios no comércio da comunidade onde vive. Com o reconhecimento do trabalho, expandiu a entrega de publicidade para toda Araucária e ao mesmo tempo fazia coleta do lixo reciclável. Dez anos depois, em 2016, decidiu entrar para a política, quando concorreu a uma cadeira na Câmara de Vereadores. “Fiz minha campanha no carrinho com uma caixa de som. Recebi 813 votos e entrei como segundo suplente”, recorda o vereador.

Como era suplente, Aparecido virou vereador de fato em abril de 2018. Ele assumiu a cadeira de Vanderlei Cabeleireiro (DEM), afastado da Câmara após ser indiciado por corrupção pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), força-tarefa do Ministério Público com as polícias Civil e Militar.

Aparecido virou vereador de fato em abril de 2018, após Vanderlei Cabeleireiro (DEM) ser afastado da Câmara após ser indiciado por corrupção. Foto: André Rodrigues/Tribuna do Paraná

No pouco mais de um ano de mandato, Aparecido já ganhou desafetos na Câmara de Araucária. O que deve aumentar ainda mais com o posicionamento contrário ao aumento de salário. “Está sendo bem difícil, pois estou tendo uma rejeição da Casa com olhares tortos e pessoas de bico. Respeito a opinião de todos, mas não vou mudar”, avisa Aparecido da Reciclagem.

Questionado se o voto contrário ao reajuste era algo pensado para a eleição de 2021, se seria para ganhar votos, o vereador logo descarta essa possibilidade. “Não sei nem se estarei vivo até lá e não penso em uma reeleição”, concluiu Aparecido.

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