Clube de livros de Curitiba incentiva consumo de obras escritas por mulheres

Fernanda Ávila, do CLube de Livros Amora. Foto: Gerson Klaina

Por Malu Piccoli – Especial para a Tribuna

“Um imperador convoca sábios e pede uma frase que sirva a todas as situações possíveis. Depois de meses, eles aparecem com uma proposta: ‘isso também vai passar’. Quando Blanca era pequena, sua mãe contou essa história para ajudá-la a superar a morte do pai, e então acrescentou: ‘a dor e o pesar passam, assim como a euforia e a felicidade’.”

A julgar pela sinopse, a impressão é de que “Isso também vai passar”, da autora espanhola Milena Busquets, será mais um livro de auto ajuda, com insights existenciais e verdades reveladoras sobre como se viver a vida. Ledo engano. Trata-se de um romance sobre o luto, retratado por meio da ótica de uma pessoa normal, amparado na realidade vivida por qualquer sujeito que se despede de alguém que lhe foi importante.

Guardar uma peça de roupa do ente querido, cheirar seus travesseiros, lembrar-se de bons momentos e tentar imaginar o que diria ou faria em determinada situação. Talvez nestes detalhes simples é que – justamente – resida a genialidade do livro, hoje entre os grandes best sellers de autoras femininas da atualidade e – aqui cabe a observação – nem sempre devidamente valorizadas.

É para evidenciar obras como esta, que o clube de assinatura “Amora Livros”, foi criado. A iniciativa, viabilizada por um grupo de empreendedoras de Curitiba, surgiu como forma de incentivar a leitura de obras escritas por mãos femininas de todo o mundo. O clube é recente. Inaugurado em março de 2022, trouxe a proposta das já difundidas ‘tags’ de leitura virtuais, nas quais os assinantes recebem os livros mensalmente, na porta de casa, a partir do pagamento de um valor ‘x’.

No Amora, porém, os assinantes recebem – exclusivamente – obras literárias femininas. “Para escolher os livros que compõem a nossa curadoria, lemos centenas de obras, investigamos prêmios e festivais, ouvimos autoras que respeitamos, trocamos ideias com editoras, agentes literários e especialistas. Construímos uma lista muito especial do que melhor vem sendo produzido por autoras vivas no Brasil e no mundo”, explica Fernanda Ávila, uma das fundadoras do clube Amora Livros.

Apesar da “pouca idade”, a plataforma já conta com quase 300 assinantes e atende 20 estados brasileiros. E vem crescendo. Com entregas para todo o Brasil, nomes como Marcela Dantés, Lei´la Slimani e a já citada Milena Busquets – autoras que talvez jamais chegassem ao nosso conhecimento – vêm às mãos do público, traduzindo a forma de pensar e enxergar o mundo da mulher contemporânea. “São obras excepcionais, de escritoras conceituadas, que trazem novas visões, despertam reflexões e mexem com a emoção de leitoras e leitores”, afirma Fernanda.

Bom momento

A inciativa surge por bom motivo. Segundo levantamento da livraria virtual Wordery, publicado recentemente em reportagem da revista Super Interessante, da editora Abril, 80% dos livros mais populares da história foram escritos por homens. O mesmo estudo mostrou que as três principais editoras norte-americanas dedicam menos de 40% de suas publicações às obras escritas por mulheres.

Para tornar mais visível a realidade das escritoras ao redor do mundo, Fernanda sugere um exercício prático: “Separe as obras escritas por homens das escritas por mulheres na sua estante de livros. Percebeu a desproporção? O mesmo acontece nas livrarias, bibliotecas, nas listas de livros a serem lidos para os principais vestibulares do país. E isso não tem nada a ver com a qualidade da escrita. É um reflexo do que acontece em vários outros aspectos da sociedade”, ressalta.

Outra proposta interessante do clube de assinaturas é a divulgação de novos talentos, por meio da iniciativa ‘Pé de Amora’, que seleciona contos inéditos de escritoras pouco conhecidas e que estejam iniciando sua trajetória na ficção, para publicar minilivros que são entregues aos assinantes, junto com a caixinha “Amora”, todos os meses. “Com isso, criamos oportunidades para que essas autoras sejam lidas por mais pessoas e alcancem leitoras e leitores de diferentes cantos do Brasil. Foi a forma que encontramos de nos aprofundarmos ainda mais na missão de dar visibilidade às histórias contadas por mulheres diversas”, completa Fernanda.

Clarisse Escorel é uma delas. A carioca de 49 anos e carreira sólida na advocacia, resolveu – durante a pandemia – tirar da gaveta o antigo sonho de ser escritora. “Quando você começa a escrever algo que há muito tempo vinha guardando, aquilo flui quase como magma. O problema é que, depois de pronta, é muito difícil encontrar os meios de publicação da sua obra, seja ela um conto, coluna, história ou livro”, revela.

Com publicações aqui e ali, Clarisse decidiu então investir na escrita literária, participando de diversos cursos e oficinas de escrita criativa, alguns deles encabeçados por nomes como Luiz Antonio de Assis Brasil e Fabricio Corsaletti. Foi, no entanto, em suas vivências pessoais, que achou inspiração para seus contos e, a partir de seus entes mais próximos, foi que encontrou os personagens que – pouco depois – atrairiam o olhar dos curadores do clube Amora para seus textos. “Quando fui chamada a participar do projeto, enviei 4 contos. O que mais chamou a atenção ‘Boleia’. No qual relembro uma experiência marcante que tive durante a adolescência”, revela Clarisse.

“Naquele tempo eu queria ‘parecer cool’ e, acompanhando um namorado aventureiro, embarquei na boleia de um caminhão para chegar a uma praia de Búzios. Logo eu, filha de pais bastante ‘certinhos’, logo me vi aventureira e cheia de vida, bem distante da tradicional mocinha carioca, criada por uma mãe que ‘flambava bidês’”, conta entre risos.

É isso mesmo. Clarisse conta que, uma das memórias mais marcantes de sua infância e adolescência era a rotina de higiene da sua mãe. “Quando a gente viajava pra qualquer lugar ou se hospedava em um hotel, por exemplo, minha mãe levava sempre um recipiente com álcool na bolsa. Chegando no lugar, ela jogava álcool no bidê e acendia um fósforo, pra garantir que tudo ficaria limpinho pra gente usar”, relembra. E foi justamente “a mãe que flambava bidês” que arrancou gargalhadas e conquistou a curadoria do clube Amora para a primeira publicação de Clarisse.

Para a autora, iniciativas como esta não são apenas generosas com escritoras iniciantes, mas também necessárias à sociedade. “’Por que ler mulheres?’, muitos perguntam. Bem, somos mais da metade da população mundial. Lutamos pela conquista de espaço cada vez maior em todos os segmentos do mercado e também por maior representatividade, desde a mídia até os palanques. Na literatura não é diferente. O mundo merece saber e entender como e o que pensam as mulheres, do contrário, continuaremos a perpetuar práticas arcaicas e obsoletas que não condizem com a evolução que tanto almejamos em termos sociais”, finaliza.

Quer entrar pro clube?

Acesse o site www.amoralivros.com.br. Mais informações nos perfis oficiais: Instagram @amoralivros_brasil / Facebook @amoralivrosbrasil

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