Cemitério sem paz

No último dia 2 de maio, uma segunda-feira, a pesquisadora de arte em túmulos Clarissa Grassi, presidente da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, recebeu um aflito telefonema da artesã Diva Osório Zagonel, 88 anos. “Ela me ligou desesperada, com a voz tremendo, contando que haviam destruído a estátua da Luci.” A escultura de mármore retratava a tia de Diva, Luci Meissner, morta aos 5 anos de idade, e enfeitava o túmulo da família no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, no bairro São Francisco. Pelo menos outras quatro sepulturas de mármore foram vandalizadas no primeiro fim de semana do mês.

Foto: Felipe Rosa
Furtos já viraram rotina no cemitério. Foto: Felipe Rosa

Roubos de alças de gavetas, placas de identificação e outros objetos de cobre sempre ocorreram, conta a pesquisadora, mas o episódio do início de maio chocou por ter sido uma destruição gratuita, já que o mármore não tem valor comercial para ser revendido. “Os furtos não são novidade, tanto é que as famílias estão substituindo os puxadores de cobre pelos de granito, e isso está alterando a estética do cemitério”, aponta. Mas, nos últimos meses, desde que o posto da Guarda Municipal do local foi fechado, as ações criminosas se tornaram mais frequentes, conta ela.

Objetos únicos

“A presença da Guarda inibe o vândalo. Havia rondas ostensivas, mas elas foram interrompidas sob o argumento de que não tinha ocorrências”, diz. Segundo a pesquisadora, a perda resultante das invasões ao cemitério é inestimável. Muitas esculturas e túmulos datam do século XIX e vieram da Europa. “É um tipo de arte que não existe mais, são objetos únicos, feitos por marmoristas italianos. São um relato do nosso passado.” Além do prejuízo artístico e histórico, o valor afetivo que as sepulturas destruídas têm para as famílias dos mortos provoca muita indignação.

Memória dos antepassados

Foto: Felipe Rosa
Pesquisadora Clarissa Grassi realiza visitas guiadas mensalmente. Foto: Felipe Rosa

Assim que Diva ficou sabendo que a estátua de Luci fora quebrada, foi ao cemitério conferir o estrago, e em seguida providenciou o restauro da peça. “Cuido da sepultura há 35 anos, desde que minha mãe faleceu. Há quatro meses roubaram as alças de bronze, e agora fazem isso com a estátua. Quebraram em três pedaços e deixaram um monte de caquinhos. Se tirassem pra vender, porque não têm o que dar de comer para os filhos, vá lá, mas quebrar só por quebrar? Fiquei muito sentida, é um valor sentimental que não tem tamanho”, lamenta. A escultura de Luci foi trazida da Itália de navio por seu próprio pai, em 1895, e retratava a menina com um vestido enfeitado por flores. Um coveiro que preferiu não se identificar diz que são comuns os episódios de roubo e vandalismo. “A cada seis meses, mais ou menos, eles [os criminosos] dão uma aparecida. Dessa última vez nem foi pra vender, a alegria deles foi desmanchar, mesmo. Antes a gente via mais os guardas municipais por aqui, hoje é difícil. Tem um quatro meses que eles pararam”, observa. Serviço A pesquisadora Clarissa Grassi realiza visitas guiadas pelo Cemitério São Francisco de Paula mensalmente. A próxima ocorre no dia 21 de maio. Para se inscrever, mande nome completo, data de nascimento, RG e telefone para contato para o e-mail visitaguiada@smma.curitiba.pr.gov.br.

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