Devolver filho? Casal de Curitiba ajuda na adaptação entre pais e seus filhos adotados!

Ansioso, o casal posiciona uma pequena caixinha branca sobre a mesa. Com olhos curiosos, fixos no objeto, uma garotinha de 7 anos acompanha a movimentação. “Pode abrir”, diz o homem à pequena. Ela desata o laço e remove a tampa da caixa. Lá dentro a surpresa. Num pedaço de papel, apenas uma frase: “você agora é nossa filha”. “Serei adotada?”, indaga a menina. Emocionados os três se abraçam entre juras de amor. “Estaremos juntos para sempre querida”, diz o “novo papai”.Oviral que derreteu o coração das redes sociais no último mês foi gravado com uma câmera escondida, por um casal americano no dia em que o processo de adoção de sua filha foi concluído.

Quase como um conto de fadas, o vídeo representa aquilo que muita gente imagina quando o assunto é adoção. Na realidade, porém, o processo de adaptação da criança à nova família nem sempre acontece conforme o esperado e, infelizmente, em alguns casos os adotantes acabam desistindo de ficar com os menores antes mesmo da conclusão dos trâmites legais. Tendo em vista ajudar pessoas nessa situação, voluntários de Curitiba trazem “uma luz no fim do túnel” e mostram que sim, é possível contornar as dificuldades do processo de adaptação da nova família.

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Mais comuns do que se imagina, os casos nos quais os adotantes “devolvem” os filhos à Justiça, infelizmente, acontecem com certa frequência no Brasil. Um levantamento apurado pela agência BBC no ano passado, mostrou que entre 2012 e 2017 172 registros  de crianças “devolvidas” foram computados pela justiça brasileira em 11 estados da federação. Na prática, porém, esse número tende a ser bem maior, já que nem sempre os dados relativos aos procedimentos que não deram certo são divulgados.

No Paraná, uma situação recente registrada no município de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), reacendeu a discussão a respeito do tema. Em ação civil pública ajuizada pela 3ª Promotoria de Justiça da comarca,  o Ministério Público do Paraná (MP/PR) pleiteou que uma adotante que desistiu do processo já em estágio final arcasse com o pagamento de uma indenização por danos morais a dois irmãos, de 5 e 7 anos, que tiveram de retornar a um abrigo da região após a desistência. O caso aconteceu em julho e trouxe à tona a  fragilidade emocional na qual muita gente se encontra quando decide adotar. Diante dessas situações, especialistas emitem o alerta: filhos não são “devolvíveis” e, assim como para a paternidade biológica, é preciso estar preparado para adotar.

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Assim também acreditava Roberto*, 45. Após decisão conjunta com seu  companheiro,o professor adotou dois meninos, de 9 e 11 anos, no início desse ano. O processo saiu depois de um período de espera na fila da adoção pela justiça da família da Lapa e, a julgar pelo tempo de adaptação das crianças à família, tinha tudo para ser um caso de sucesso. “Sou uma pessoa muito sensível e tinha no meu coração um desejo muito grande de dar amor. Para mim isso é tudo que uma criança pode querer, além do conforto que podíamos proporcionar. Por isso eu tinha certeza que estava preparado para ser pai daqueles meninos”, revelou o lapeano que preferiu usar um pseudônimo para a publicação da reportagem.

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Nos meses seguintes, no entanto,oque parecia um conto de fadas acabou ganhando contornos trágicos, depois que o filho mais velho passou a apresentar um comportamento destrutivo e violento dentro de casa. “Ele nos agredia, batia no irmão, falava palavrões e até tentou estrangular um coleguinha na escola”, contou. Sem condições emocionais de continuar com a  criança, o casal acabou retornando à justiça em busca da destituição do poder familiar sobre o filho mais velho. Depois de apenas quatro meses de convivência o menino acabou retornando ao  abrigo de origem. “Foi terrível. Nos sentimos muito frustrados e tristes porque jamais tínhamos previsto que as coisas podiam desandar daquele jeito”, revelou.

Não bastasse o primeiro “trauma”, alguns meses depois, o segundo filho de 9 anos, também passou a se comportar de maneira agressiva. Mesmo com respaldo psicológico e suporte material, a situação chegou a um ponto extremo no qual os adotantes acabaram optando também pela desistência da adoção. “Ele começou a praticar pequenos furtos e agredir outras pessoas. O ápice foi num almoço na casa de amigos no qual ele tentou matar um dos animais da casa”, contou Roberto*. Em julho desse ano, depois de diversas consultas junto ao corpo de psicologia do Fórum da Lapa e algumas audiências com a justiça do município, o segundo filho  também acabou sendo “devolvido”. “Não pretendemos adotar mais”, desabafou Roberto*.

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Ombro amigo

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Comum à maioria dos adotantes que acabam desistindo do processo, a dificuldade de convivência com os filhos no cotidiano é o principal argumento apresentado diante dos juízes, principalmente nos casos de adoção de crianças mais velhas. O problema, no entanto – segundo especialistas – reside não nos filhos, mas nos pais, cuja visão fantasiosa de uma vida ideal após adoção acaba criando expectativas desleais em relação ao instituto na prática. Delicado, o assunto gera enorme desconforto no judiciário, já que, em tese, filho não se devolve.

Tendo em vista ajudar pais e mães no processo de adaptação depois da adoção, um casal morador do bairro Xaxim, em Curitiba, resolveu criar um grupo de apoio cuja proposta é orientar adotantes no desenvolvimento do relacionamento com os filhos adotados. Batizado de “Chased”, palavra hebraica que “significa amor incondicional”, o projeto conta com respaldo profissional e foi implementado com base nas próprias vivências do casal fundador, após adoção de cinco irmãos há alguns anos.

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“As pessoas têm uma ideia equivocada de que adoção é sinônimo de heroísmo, como se fossem ter algum mérito por isso. Nossa ideia é mostrar que o amor paternal não pressupõe receber algo em troca”, afirma a pedagoga e fundadora do grupo Ingrid Mendes. Com o lema: amor incondicional, eterno, inabalável, forte, inesgotável, constante, fiel, infalível, confiável, imutável, que nunca desiste”, o grupo funciona no bairro Água Verde e já conta com 10 frequentadores fixos que, apoiados por psicólogos e psicopedagogos, têm liberdade para tirar dúvidas e trocar experiências sobre os conflitos do processo de adoção.

Desde a fundação, em 2015, o casal já evitou que pelo menos duas famílias ‘devolvessem’ os filhos adotados. “Durante as reuniões trabalhamos com questões como estabelecimento de vínculo entre pais e filhos, noções de limites e aceitação das criança apesar da história dela. Coisa que nem todo mundo se dá conta quando adota”, explica Marcos, marido de Ingrid e também fundador do grupo.

Como tudo começou?

Sem nunca imaginar que um dia virariam “pais de coração”, Ingrid e Marcos já tinham três filhos biológicos quando optaram por adotar cinco crianças em 2012. A decisão aconteceu logo depois que o terceiro filho completou 17 anos e o casal, sempre muito engajado socialmente, buscou a justiça, impulsionado pelo forte desejo de adotar.

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Ao longo dos primeiros anos de convivência e assim como em muitas outras famílias, os Mendes encontraram uma série de dificuldades até que a adaptação acontecesse e todos se sentissem, de fato, parte do mesmo clã. Entre os maiores desafios, a solidão diante da falta de “um ombro amigo” para desabafar, despertou em Ingrid a iniciativa de começar um grupo de apoio a outros pais, na mesma situação. “Eu tinha uma série de questões sobre as quais não podia desabafar com ninguém porque as pessoas diziam que a escolha de adotar tinha sido minha. ‘Você procurou a sarna, agora se coce’, é o que as pessoas pensam. Só que não funciona desse jeito”, desabafou.

Aberto ao público e totalmente gratuito, o grupo “Chesed” se reúne todas as terças feiras, das 19h às 21h, na Rua Dom Pedro I, 221 bairro Água Verde, em Curitiba.

O que diz a justiça?

Embora em termos legais a adoção seja irreversível, desistir do processo é possível durante o período de convivência, antes de ser oficializada a adoção o que pode levar até 2 anos. Após concluído o processo, a “devolução” configura abandono e os adotantes podem ser responsabilizados legalmente.

De acordo com o advogado e presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB/PR, Anderson Rodrigues Ferreira, o processo de destituição familiar, nos casos onde há desistência de adotar, é instaurado pelo Ministério Público e tem por objetivo reverter os danos morais aos quais o adotado é submetido. “Equipara-se a um novo abandono e os responsáveis podem ter de  arcar com custas de pensão alimentícia e tratamentos médicos/psicológicos à criança”, explica.

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Segundo Ferreira, é essencial que quem tem o desejo de adotar, antes busque ter certeza que de fato conta com o preparo emocional que a decisão exige. “Pode se devolver um filho biológico à barriga da mãe? Não. Da mesma forma não se pode devolver um filho adotivo. As pessoas precisam pensar muito bem se são capazes do exercício parental e considerar que as crianças são indivíduos e não objetos. Com histórias de vida, vontades, expectativas e sonhos”, diz.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 47 mil crianças vivem em instituições. Destas, apenas 7.300 podem ser adotadas. No Paraná, 125 adoções já foram feitas somente em 2018.

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