Curitiba

Burocracia faz mulher catarinense ser enterrada ‘à força’ em Curitiba

Imagem ilustrativa. Foto: Pixabay
Escrito por Alex Silveira

Sem ter endereço em Curitiba, corpo de moradora em situação de rua, que era de Santa Catarina, não foi liberado pra ser sepultado em sua cidade natal

O sofrimento de Rinaldo Betcher Neto para sepultar a irmã, Deise Lu Nazario Betcher, 34 anos, parecia não ter fim, e foi permeado de complicações e burocracias. Deise estava em situação de rua e vivia em Curitiba, apesar de ser de Maracajá, no litoral sul de Santa Catarina. Deise morreu no dia 11 de julho, e os planos da família em sepultar a mulher em sua cidade acabaram frustrados pelos trâmites burocráticos exigidos nesses casos na capital paranaense.

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Deise faleceu no dia 11 de julho e foi encontrada na calçada. O corpo foi encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML) e só pôde ser liberado após passar por todos os tramites, incluindo a investigação sobre um possível homicídio – algo que foi descartado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

Com os laudos das instituições em mãos e o atestado de óbito, no sábado (20), Neto foi até a Central de Serviço Funerário, que fica no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, para solicitar o traslado do corpo para Maracajá. Porém, a falta de um comprovante de residência no nome de Deise Betcher terminou com os planos do familiar, que gravou um vídeo de reclamação.

Segundo o que conta o irmão, no vídeo, o corpo da mulher só foi liberado depois de três dias de muita insistência, já que seria impossível para Neto conseguir o comprovante de residência, uma vez que a irmã morava na rua e o endereço no atestado de óbito ficou no nome dele. Ainda assim, a liberação se deu apenas para o sepultamento em Curitiba, no Cemitério do Boqueirão.

A funerária contratada para fazer o traslado até a cidade catarinense não conseguiu a liberação para levar Deise. Na gravação, que circula pelas redes sociais, ele conta toda a história de sofrimento. Além de reclamar da burocracia e lamentar os dias que passou de maneira forçada na capital paranaense, Betcher diz não entender o porquê de pedirem um comprovante de residência no nome da irmã, sendo que o endereço dela, antes de sair de casa para viver na rua, era morando com ele e a esposa, em Maracajá.

Neto afirma que o serviço funerário de Curitiba “forçou a barra”. A desculpa para isso, segundo ele, seria a falta do tal documento. Um atendente do serviço teria explicado que, sem o comprovante de residência, o corpo só poderia ser liberado para ser enterrado em Curitiba.

Deise foi enterrada no local para pessoas carentes no Cemitério Boqueirão. Foto: Daniel Caron/Tribuna do Paraná
Deise foi enterrada no local para pessoas carentes no Cemitério Boqueirão. Foto: Daniel Caron/Tribuna do Paraná

No fim das contas, foi o que acabou acontecendo, com Deise Betcher sendo enterrada como pessoa carente em um túmulo no Cemitério do Boqueirão. O transporte do corpo, já no caixão, segundo o irmão, foi feito por uma funerária de Curitiba. No vídeo, Rinaldo explica que depois de três dias de persistência, o sofrimento o fez desistir de levar a irmã para Maracajá. “É muito sofrimento. Quero que todos saibam o que aconteceu aí, em Curitiba”, diz um trecho da gravação.

Deise Betcher foi enterrada na ala dos túmulos de pessoas carentes que fica nos fundos do Cemitério do Boqueirão. Segundo Neto, ela só não foi enterrada em Maracajá porque o traslado não foi possível. “Não sei porque fazem isso com quem não tem condições. Que essa história se espalhe para que não aconteça com mais gente”, reclama ele no vídeo.

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A gravação de Rinaldo Betcher foi compartilhada nas redes sociais do dono da funerária de Santa Catarina, que tem sede em Araranguá, cidade próxima de Maracajá. Nos comentários, houve quem se sensibilizou com a história e quem defendeu o sistema funerário de Curitiba. Fato é que Deise ficou na capital paranaense e Neto retornou para Maracajá.

O que diz a lei sobre o traslado dos entes

O artigo 5º da Lei nº 10.595/02, que dispõe sobre o serviço funerário em Curitiba, diz que o usuário do Serviço Funerário (no caso os familiares), poderá optar pela contratação de empresas prestadoras de serviço funerário sediadas em outras cidades, “quando o domicílio do falecido for em outra cidade e que tenha sido o corpo encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) localizado em Curitiba, desde que o velório e sepultamento sejam realizados fora desta capital”.

O caso do sepultamento de Deise Betcher tinha relação com este artigo. A lei funerária de Curitiba também menciona que é preciso apresentar documentos que comprovem o endereço do falecido. A insígnia § 1º da lei diz que “o usuário declarante deverá comprovar com documentos idôneos que o falecido tinha domicílio em outra cidade”.

Por lei, corpos sem vida só podem ser transportados em veículos cadastrados e autorizados para esse tipo de serviço. Imagem ilustrativa. Foto: Aliocha Mauricio/Arquivo/Tribuna do Paraná
Por lei, corpos sem vida só podem ser transportados em veículos cadastrados e autorizados para esse tipo de serviço. Imagem ilustrativa. Foto: Aliocha Mauricio/Arquivo/Tribuna do Paraná

Rinaldo Betcher diz no vídeo que detinha o atestado de óbito, o laudo do IML e da DHPP demonstrando que ela era irmã dele e que o último endereço dela era Maracajá. Mesmo assim, o Serviço Funerário Municipal teria insistido que sem o comprovante de residência no nome da falecida não seria possível autorizar o traslado dela até Maracajá – por lei, corpos sem vida só podem ser transportados em veículos cadastrados e autorizados para esse tipo de serviço, como os carros do IML e das funerárias.

O que diz a prefeitura

No caso do sepultamento da Deise Betcher, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, a prefeitura afirma que a informação de que houve demora de três dias no procedimento de liberação do corpo não procede. Segundo a administração municipal, o corpo estava no IML desde o dia 11 de julho e o familiar compareceu no dia 20 de julho ao serviço funerário, sendo que o que sepultamento ocorreu no dia seguinte, 21 de julho.

Ainda por meio da secretaria, a administração explicou que o Serviço Funerário Municipal é atendido por meio de um processo licitatório em que 26 concessionárias vencedoras do certame estão aptas a prestar o atendimento, que é feito através de escolha aleatória via sistema eletrônico, conforme prevê o artigo 5º do decreto que regulamenta o serviço.

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Conforme estabelece o decreto, em caso de necessidade de translado do corpo é preciso comprovação para garantir o destino e evitar assédio de funerárias, como pode ter ocorrido no caso citado pela reportagem. Em nota, a prefeitura explica que “poderia ter havido liberação para o translado se o irmão tivesse apresentado comprovante de endereço ou conseguisse decisão liminar do plantão judicial que se sobreporia à legislação municipal”.

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