“Deus me livre!” É assim que muita gente reage quando o assunto da roda é a morte. Proibido entre os mais supersticiosos, o tema é evitado a todo o custo e, quando – vez ou outra – aparece nos bate-papos vida afora, acarreta entre os presentes sinais da cruz em cadeia, com direito a três invocações da santíssima trindade. Em algumas situações, no entanto, não tem como fugir da conversa. Principalmente quando os números falam mais alto.
Segundo levantamento divulgado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública do Paraná (SESP-PR), só em Curitiba, 80 pessoas morreram de forma violenta entre janeiro e abril desse ano. Em todos esses casos, e em mais outros tantos, a ação de uma instituição é indispensável: o Instituto Médico Legal de Curitiba (IML) – responsável pela emissão dos laudos que determinam as causas jurídicas das mortes.
Mas afinal, como funciona o órgão? Todo o corpo precisa passar por lá? Quanto demora um exame de necropsia? Para esclarecer essas e outras dúvidas, que muita gente pode ter em relação ao serviço, ligado ao departamento da Polícia Científica do Paraná, a Tribuna conversou com duas autoridades no assunto: Paulino Pastre, atual diretor da instituição, e Francisco Miguel Moraes e Silva, médico e professor na Universidade Federal do Paraná (que também presidiu a entidade por 6 anos), indicado à entrevista pelo Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR). Confira!
Qual a função do IML?
Órgão público subordinado à Secretaria de Estado da Segurança Pública (SESP-PR), o IML, ligado à Polícia Científica, realiza perícias médico-legais não apenas em cadáveres mas também em partes de corpos e ossadas com o objetivo de esclarecer a causa jurídica das mortes.
O IML também faz exames em pessoas vivas, nas áreas de anatomia patológica (que descobre doenças) toxicologia, química legal e sexologia forense. Tudo sempre por meio de requisição oficial.
Qual a especialização de um médico legista?
Todo o médico legista possui, obrigatoriamente, graduação em medicina: curso que dura seis anos. Além da formação acadêmica, para ser legista no IML é preciso prestar concurso público. Após a provação, o profissional recebe especialização em balística, legislação criminal exame de cadáveres.
Em quais casos um corpo deve ser encaminhado ao IML?
“A lei prevê três hipóteses nas quais a necropsia do Insituto Médico Legal é obrigatória: morte violenta (por acidente de trânsito ou de trabalho, homicídio, suicídio, etc.); morte por causa desconhecida e morte natural de pessoa sem assistência médica”, explica Pastre.
“São casos nos quais é preciso esclarecer a causa jurídica da morte. Quando uma pessoa morre depois de cair de uma escada, por exemplo, pode até parecer óbvio que o falecimento aconteceu devido aos ferimentos da queda. É preciso investigar, contudo, se aquilo realmente foi um acidente ou se alguém empurrou a pessoa, por exemplo”, complementa Franscisco.
O atestado de óbito, emitido pelo médico da família – nos casos de morte em residência – pode substituir a ação do IML?
“Nos casos de morte por causa desconhecida, não. O médico que acompanhou o morto em vida possui autoridade para orientar e esclarecer a respeito dos eventuais motivos que o tenham levado a morrer. Mesmo assim, quando alguém morre sem ninguém saber por que, é preciso encaminhar o corpo ao IML’, ressalta o ex-diretor do IML.
A partir da entrada do corpo no IML, quais os procedimentos?
“Primeiramente, todo o corpo que entra para exame no IML já chega com uma requisição emitida ou por autoridade policial, ou pelo Ministério Público ou por autoridade judiciária. Sem esse documento o corpo não pode passar por exame de necropsia.
Ao dar entrada, o corpo é registrado no sistema e apresentado para eventuais familiares para reconhecimento. Vale ressaltar: reconhecimento e identificação são duas coisas diferentes. Reconhecimento é um procedimento leigo. Identificação é a confirmação que vem depois do exame. Em seguida são coletadas as impressões digitais para identificação, quando possível. Identificado.
Em seguida, as roupas e outros elementos, como projéteis, são encaminhados para exame balístico. Aí têm início os exames propriamente ditos, após lavagem e pesagem do corpo. O primeiro passo é a abertura e análise da cavidade craniana. Em seguida, abre-se o tórax e examina-se pulmões, coração, pleuras, pericárdio.
O corte segue pela região do abdômen onde se observa todo o seu interior (intestinos, fígado, baço, rins). Em muitos casos é preciso também abrir os membros superiores e inferiores. Quando existem hematomas significativos ou lesões estranhas nos braços e pernas, por exemplo. Para finalizar, o médico colhe líquidos orgânicos complementares ou fragmentos de órgãos para exames complementares. Vale lembrar que, ao fim dos exames, os órgãos são devolvidos às cavidades. Isso tudo é descrito no laudo final”, esclarece Francisco.
Quanto tempo dura o exame?
“Depende. Cada caso é um caso e existem situações nas quais processo é mais complexo. Sem exceção, respeita-se o artigo 162 do Código de Processo Penal, que determina que o exame possa começar em até 6 horas. Depois disso não existe um tempo exato”, ressalta Pastre.
“Via de regra, um exame simples dura em torno de 2 horas. Em outros casos, mais difíceis, pode durar até 6, 10, 12 horas. Ou até mais”, complementa o ex-diretor.
Identificada a causa da morte, o que acontece?
“O laudo oficial, com todo o descritivo do procedimento é encaminhado à autoridade requisitante para que as investigações tenham prosseguimento. O corpo é, então, entregue à família para o devido encaminhamento fúnebre. Vale lembrar que todo o conteúdo do laudo é sigiloso e pode ser acessado, somente pela autoridade que o solicitou”, explica Pastre.
E se ninguém vai buscar o morto?
“O corpo pode ficar no IML até 30 dias, devidamente conservado em refrigeração. Caso não surjam familiares, o próprio IML realiza o sepultamento nos cemitérios da cidade”, finaliza Francisco.