Há alguns anos, barba era coisa para homens mais velhos. Mas a moda, como sempre, mudou e a barba, além dos cortes de cabelo “diferentões”, tem aparecido frequentemente no rosto de homens de todas as idades. Junto com ela, vieram as barbearias “gourmet”, via de regra mais sofisticadas, no estilo retrô americano, que se espalharam por todos os bairros de Curitiba. A primeira delas (no Brasil) foi a Barbearia Clube, no bairro Mercês, que abriu as portas em 2007.
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Não há um dado específico, de quantas “barbearias gourmet” surgiram em Curitiba nos últimos anos, pois na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), não há especificamente a atividade comercial “barbearia” – ela está inserida dentro do grupo de salões de beleza em geral, cabeleireiros, manicures e pedicures. Dentro deste contexto, conforme a Junta Comercial do Paraná, Curitiba tinha 664 empresas e profissionais deste tipo em 2013. Cinco anos depois, em 2018, esse número saltou para 2.612 empresas. Com a percepção de que a cidade encheu de barbearias por todos os cantos, não é leviano dizer que este tipo de estabelecimento ajudou muito a engrossar essa estatística. Mas o que fez esse tipo de estabelecimento ter tanto sucesso e fazer com que os homens deixem as barbearias “raiz”, para aderirem às “gourmet”, ou usando um termo mais popular, “nutella”? A Tribuna foi descobrir.
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Qualidade e atendimento
O advogado Fernando de Souza, 58 anos, é um dos que aderiu ao novo estilo de barbearia. Ele conta que sempre gostou de andar bem cuidado, com um bom corte de cabelo, e a barba bem feita. Então aproveitava as idas da esposa ao salão de beleza para dar um trato no visual. Um dia, Fernando foi cortar o cabelo na Barbearia Saint German, no Juvevê. Quando chegou em casa, a esposa elogiou o corte, dizendo que ficou muito bom. Desde então, o advogado passou a frequentar o local e para ele, a troca não é nada supérflua. “É uma forma de sentir-se bem, aumentar a autoestima”, diz Fernando.
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Aliás, vaidade os homens sempre tiveram. Contudo, ela nunca foi tão explícita quanto agora, visto que além de ajeitar os cabelos e barbas, eles também levam junto para casa cremes para o cabelo, barba e a pele. Gastam algum tempo parados na frente da prateleira de cosméticos masculinos escolhendo o que levar debaixo do braço (sem sacola, como coisa de “macho”, brincam alguns deles).
O também advogado Bernardo Fernandes, 35 anos, compartilha da mesma opinião de Fernando. Ele ia às barbearias mais simples, mas que tivessem asseio. Mas despertou sua atenção para as “gourmet” quando foi ao casamento de um amigo. O noivo e os padrinhos tinham se preparado para a festa numa destas barbearias. “O visual deles era diferenciado, as barbas e cabelos estavam muito bem feitos, tinham bom corte, dava para ver a diferença”, disse Bernardo, que aderiu às novas barbearias e não se arrependeu. Fez até o seu Dia do Noivo numa delas.
Cerveja e papo de macho
José Luiz Policeno, o “Zé”, proprietário da Saint German, explica que o que traz os homens às novas barbearias “gourmet” é o tratamento ao cliente, a especialização dos barbeiros no corte dos cabelos e barbas, a possibilidade de tomar uma cerveja com os amigos (é característico destes novos estabelecimentos possuírem bar, mesa de bilhar e outros atrativos masculinos), o bate papo de “macho” sem barulho de secadores de cabelo e falar da mulherada. Não que não exista “fofoca” entre os homens também, mas ao jeito deles.
“É comum os homens tentarem fazer a barba em casa, mas sempre dá uma falha aqui, outra ali. Então eles nos procuram para dar aquela ‘ajeitada’, já que barbas com design estão em alta. Sem contar a toalha quente, que é um diferencial. É um ritual de relaxamento, acalma a pele, ajuda a abrir os poros, evita que os pelos fiquem encravados e assim o barbeado dura mais tempo. Também tem muito corte de cabelo sendo feito errado por aí. Então o pessoal paga o preço de uma boa barbearia porque sabe que sairá satisfeito. E tem muita gente que nem corta o cabelo ou a barba. Vem só pra tomar uma cerveja e conversar com os amigos”, analisa Zé, mostrando o alto índice de fidelização das “gourmet”, que possuem serviços até 200% mais caros que uma barbearia “raiz”.
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A história do “Zé”
“Zé” conta que descobriu o “dom” do corte ainda na infância, quando foi estudar na Escola Agrícola, no Rio Grande do Sul. Um dia cortou o cabelo de um colega, outros viram, gostaram e começaram a solicitar o serviço.
Assim, nos intervalos das aulas e das peladas de futebol, os colegas se enfileiravam esperando a vez no barbeiro, que esperto, passou a cobrar R$ 2 por corte. E “Zé” tinha sempre clientela garantida, pois se via que o futebol ia começar e ainda havia dois ou três clientes a atender, já “empurrava” a agenda para o dia seguinte. O dinheiro dos cortes? Gastava em doces e outras coisas de moleque.
Profissão das antigas
Antônio Aramis Malkut, o “Aramis”, 77 anos, é um daqueles barbeiros das antigas, de “raiz”. E ele não se intimida com o surgimento das barbearias “gourmet”. Diz que já viu vários “estágios” do mundo da beleza, porém os barbeiros antigos continuam sempre com as cadeiras cheias e clientes fiéis. Atendendo ao lado do Hospital Pilar, no bairro Bom Retiro, ele se orgulha de já estar na quarta gerações de clientes em sua cadeira, que tem 55 anos de uso.
Aramis diz que nunca foi conhecer como funcionam as barbearias “gourmet”. Também não se sente curioso. Há algumas décadas, surgiram os salões de beleza. Mas ele passou por esta fase cortando barbas e cabelos como sempre fez na sua barbearia Santa Rita de Cássia. “Hoje a juventude não frequenta mais aqui. Eles preferem os ambientes mais modernos. Mas se alguém entrar e me pedir um corte diferente, eu faço também”, diz o barbeiro.
O profissional já atendeu muita gente importante e perigosa. Entre os ilustres, já cortou o cabelo do doutor Altamir Milano, que foi o patrono do Hospital do Pilar. Também já atendeu Vicente Traiano Neto, do Tribunal de Justiça, como também já cortou o cabelo e aparou a barba de um mafioso italiano, que estava internado no hospital ao lado, sob escolta da polícia. E todo dia, diz ele, tem gente nova na cadeira.
Diferente das “gourmets”, Aramis não trabalha com hora marcada. O cliente chega e espera na fila. Mas o barbeiro é rápido e preciso. E se lembra das épocas de baile na Sociedade Vasco da Gama, o “Vasquinho”, ali ao lado. Nos dias de baile, aos sábados, a barbearia era cheia, do início da manhã até tarde da noite. “Todos queriam estar bonitos, com barba e cabelo bem feitos, os sapatos engraxados e as roupas alinhadas. Eram eventos chiques. Então era um dia muito corrido para mim”, relembra.
Prefiro a raiz
O servidor público federal André Oliveira, 62 anos, é cliente de Aramis há décadas. Ele brinca que corta com o mesmo barbeiro desde quando ainda tinha cabelo. “Cortar cabelo de alguém ´meio careca’ é difícil. Só o Aramis acerta”, elogia. “Essas barbearias novas, com essa história de toalha quente, te tomam mais tempo e dinheiro, porque além de custarem mais, você ainda toma uma cerveja, compra uma coisinha. Então acho que isso é ostentação para alguns, é uma moda que vai passar e nem todas as barbearias vão perdurar. Eu conheço gente que fez curso de barbeiro no Senai, abriu barbearia e já fechou”, analisa.
Estatística
Há oito anos, um cliente e amigo de Aramis, o matemático Paulo Calinosky, fez alguns cálculos e os entregou ao barbeiro, como forma de amizade e homenagem. Paulo calculou que, em toda a vida de barbeiro (naquela época eram 53 anos de profissão), Aramis já deveria ter cortado 330 mil cabelos e barbas e tinha trabalhado 21.915 dias e 516 mil horas. Paulo nunca mais atualizou a estatística. Mas o barbeiro acredita que, nestes oito anos adicionais (60 anos de profissão), já deve ter alcançado 370 mil cortes, 24 mil dias e 600 mil horas trabalhadas.
E a vida de Aramis já foi bem divertida no bairro Bom Retiro, onde está a sua barbearia na Avenida Desembargador Hugo Simas, escondida atrás de frondosas árvores na calçada, incluindo uma bananeira, em constante produção, xodó do barbeiro. Hoje em dia, nas épocas de malhação do Judas, as pessoas escolhem políticos e famosos que não gostam ou querem “zoar” para fazer bonecos deles e saírem “ripando”. Antigamente, a brincadeira tinha um perfil um pouco diferente. A população escolhia pessoas bem quistas na comunidade ou no País para malhar. E por várias vezes havia bonecos de Aramis pendurados pelos postes do bairro.
Da “raiz” pro “nutella”
Há barbeiros que já iniciaram na era das barbearias gourmet. Outros, como Aramis, iniciaram há décadas e permanecem no estilo “raiz”, tradicional. Mas há também barbeiros que saíram do estilo “raiz” e migraram para o estilo “gourmet”. Este é o caso de Elói Giacomoni, 57 anos. Ele está há 41 anos na profissão que aprendeu com o pai e a mãe, ambos barbeiros. Foi se atualizando nos cortes e hoje atende na barbearia Saint German, no Juvevê.
Ele conta que, na época que começou, as barbearias eram estritamente masculinas. Tinham bar, mesa de sinuca, igual como as novas barbearias estão resgatando. “E naquela época, homem com barba não arrumava nem emprego. Hoje em dia, a cada 10 homens que vemos na rua, nove tem barba”, analisa ele. Mas logo as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho. E as empresas, atentas a isto, criaram os salões de beleza, próprios para elas. A vaidade feminina cresceu e, segundo Elói, isso fez ressaltar nos homens a vaidade também, algo que até então era “escondido”. E assim começaram a surgir as barbearias “gourmet”, que resgatam o estilo antigo americano, que eram um misto de barba, bigode, cabelo e bar.
“Nunca vi, nestes 41 anos de profissão, darem a importância aos barbeiros como agora. E profissionalização e experiência são primordiais para satisfazer os clientes”, explica o profissional, disputado não só pelos clientes, mas também pelas barbearias.
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