A proximidade dos cem anos do Cine Morgenau, que será completado em 2019, uma devoção extrema à sétima arte e à memória do pai fazem o atual proprietário do estabelecimento, Jorge Luiz de Souza, 48 anos, manter de portas abertas um dos últimos cinemas de rua de Curitiba. O gênero pornográfico, cuja rentabilidade foi descoberta “por acaso” em 1983, com a exibição do filme Garganta Profunda, é o que garante a atual média de 40 frequentadores por dia ao estabelecimento, que inicia as sessões às 10h e “deixa correr” os dois filmes da programação até perto das 21h, de segunda a domingo.
Essa programação ininterrupta, salvo pelas quatro mudanças de endereço, conta com a presença do responsável pelo negócio. “Aprendi com meu pai, Jorge Souza, que desde os tempos em que o cinema funcionava na Sociedade Morgenau até os últimos dias dos seus 80 anos de vida, sempre esteve presente. Todo dia sou eu quem abro e fecho as portas daqui”, afirma. “Meu pai e eu não tínhamos por preferência assistir filmes pornôs, mas é o negócio da família. O filme adulto é um gênero como tantos outros, não dá para desprezar esse mercado e, hoje, com os cinemas de shoppings, são esses filmes que ainda garantem a sobrevivência dos poucos cinemas de rua que sobraram”, avalia Jorge.
Assim como em qualquer empreendimento comercial, a dobradinha bom atendimento e oferecer o que o público quer consumir fideliza a clientela. Mesmo com toda a pornografia disponível via internet, a regularidade do público é explicada por Jorge em função de outros fatores. “Muitas pessoas usam como um lugar de passatempo entre um compromisso e outro aqui no centro. Outros preferem assistir filme adulto fora de suas residências, porque têm filhos pequenos em casa”, sugere.
Estrutura
A cortina azul de veludo é a divisória entre a sala de espera do cinema e o espaço de projeção, com capacidade para 80 lugares. Os cartazes dos filmes exibidos ficam todos para dentro do estabelecimento, a fim de não causar desconforto em quem cruza a rua Conselheiro Laurindo. Mas o que chama atenção na entrada do Cine Morgenau são os itens que resgatam a história da o estabelecimento. Lá está a primeira placa com o nome do cinema, poltronas de outros endereços, cartazes de filmes antigos e uma réplica do endereço que o Cine Morgenau ocupou no Cristo Rei.
Com morte do pai em 2009, Jorge não herdou somente o cinema, mas um vasto acervo de aproximadamente 10 mil filmes datados das primeiras décadas do século XX até a década de 70. “Acho que o filme mais novo do meu pai é o King Kong de 1976”, comenta. Também integram a coleção vários projetores para filmes de 16 mm, 35 mm e super 8, fotografias, mais de 300 livros sobre cinema e personagens como Tarzan e inúmeros cartazes que ocupam facilmente uma área de 50 m2. Com a ajuda do empresário Osni Kuabara, 45 anos, que também foi fisgado pelos encantos da sétima arte graças ao convívio com os dois Jorges, todo esse patrimônio está sendo catalogado. “Não é porque ele faleceu, que vou deixar de cuidar de tudo isso”, observa.
Boa parte desses materiais ficam no endereço do Cine Clube Jorge de Souza que, até 2009, levava o nome de Cine Clube Aníbal Requião. “Os integrantes do Cine Clube concordaram em homenagear meu pai”, explica Jorge. O grupo se reúne todas as terças no endereço, a partir das 15h, para trocar informações sobre cinema.
Raridade
De acordo com a Fundação Cultural de Curitiba (FCC), restam apenas três cinemas de rua, Cine Morgenau, Lido e a Cinemateca, mantida pela própria FCC.