Você deu uma olhada na sua última conta de água? Percebeu que houve alteração na tarifa? Até o mês passado, o morador do Campina do Siqueira, Paulo Fernando Otoni da Fonseca, pagava R$ 33,74 por 10 metros cúbicos de água. Pelas contas dele, cada metro cúbico custava R$ 3,37. Em julho, a Sanepar reduziu o consumo mínimo de 10 metros cúbicos para 5, com valor de R$ 32,90. O que daria R$ 6,58 por metro cúbico. Nas contas do Paulo, um aumento de mais de 95%.
A Tribuna procurou a Sanepar para tentar entender o que mudou na cobrança tarifa de água. A companhia de saneamento cobra pelo consumo mínimo de 5 metros cúbicos, independente se o usuário consumiu 1, 3 ou 5 metros cúbicos. A empresa alega que é uma forma mais justa de cobrar, pois antes, quem consumia qualquer quantidade entre 1 e 10 metros cúbicos pagava o equivalente a 10. Só que 44,4% da população paranaense consome menos do que 8 metros cúbicos de água por mês.
O usuário que ultrapassa o consumo mínimo paga por metro cúbico excedente. Quanto maior for o consumo, maior o valor do metro cúbico. Aí aparece uma segunda linha na conta de água, com o valor adicional (na tarifa residencial normal, por exemplo, o metro de água vai de R$ 1,02 até R$ 9,72). A justificativa é fazer com que as pessoas economizem o recurso. Mas o que anda confundindo a cabeça de clientes é por que na primeira faixa (onde está o consumo mínimo de 5 metros cúbicos) não se pode dividir o valor total (R$ 32,90) pelos metros cúbicos.
Explicações
Independente da quantidade de água que cada pessoa consome, a Sanepar possui um custo fixo para operar todo o sistema. Ela precisa cobrir, por exemplo, salários dos funcionários, produtos químicos usados no tratamento da água e do esgoto, manutenções no sistema, financiamentos bancários que faz para poder investir em melhorias ou na construção de novas estruturas, entre outros custos. Mesmo que uma família esteja viajando em férias e não consumiu nada de água naquele mês, a Sanepar continua tendo o custo para operar o sistema e disponibilizar a água nas torneiras daquela residência.
Por isso, nesta primeira faixa de consumo da conta de água, estão inclusos dois custos: o custo de operação do sistema (hoje em aproximadamente R$ 27,80) mais o valor por 5 metros cúbicos (cada metro custa R$ 1,02 nesta primeira faixa).
Nada especificado
Seria mais fácil se na conta viesse separado o que é custo operacional e a quantidade de metros cúbicos usados. O problema é que a Sanepar não sabe com exatidão quanto custa essa taxa de manutenção. Hoje, o valor estimado é de R$ 27,80. Como é aproximado, a companhia não o deixa especificado e junta o valor ao consumo mínimo de 5 metros cúbicos.
Mas a companhia está realizando uma revisão de toda a sua estrutura e processos de trabalho, para saber com exatidão qual é este valor. Daqui há quatro anos, quando ocorrer a nova revisão tarifária, é possível que isto venha especificado na conta, com mais clareza: o que é custo operacional, quanto custa cada metro cúbico consumido e quanto estão pagando por esgoto (que custa 85% do valor da água em Curitiba e 80% em outras cidades). Mas pode ser que, com os estudos que estão sendo feitos, essa porcentagem de esgoto mude. Outra mudança possível é que não exista mais uma cobrança pelo consumo mínimo de 5 metros cúbicos e que as pessoas passem a pagar exatamente pelo que consomem.
Revisão inédita
É a primeira vez, em 54 anos de existência, que a Sanepar faz uma revisão tarifária. Mas não é a única empresa que fez isto pela primeira vez. São Paulo e Minas Gerais já fizeram e outras estão em vias de fazer também. É um conceito de cobrança de tarifa completamente diferente do que era usado até agora.
As companhias pegavam os custos que possuíam para operar o sistema de água e esgoto, faziam um orçamento “mais ou menos” do que iam gastar no ano seguinte e assim saía o custo da tarifa de água. Hoje, utiliza-se o conceito de tarifa econômica.
Neste novo conceito, a companhia analisa não somente os custos que possui. Ela também tem que levar em consideração os investimentos futuros, as reposições e manutenções na estrutura, se está tendo um lucro, entre outros pontos.
Em investimentos futuros, a companhia terá que ter recursos suficientes para construir novas estações de água e tubulações para atender o crescimento dos bairros e cidades. Quando a Sanepar faz contratos com prefeituras, para atender a população daquele município, muitas prefeituras exigem determinados investimentos em contratos. A companhia tem que ter dinheiro para cumprir o que foi acordado no contrato.
Em reposições e manutenções, por exemplo, a companhia precisa ter dinheiro para consertar problemas que vão surgindo no sistema. E as tubulações de água e esgoto são previstas para durarem 50 anos. Findo este prazo, a companhia tem que ter dinheiro para substituir as tubulações e equipamentos que estão em fim de vida útil.
Também é preciso ver se a companhia está tendo um lucro adequado pelo serviço que presta. Assim é feito o cálculo da tarifa econômica. A Lei do Saneamento ainda exige que as companhias estejam dentro de parâmetros de custos e gastos “eficientes” e que, se tem ganhos de produtividade, que sejam revertidos em benefício da população, seja em melhorias do serviço ou barateamento da tarifa. Conforme a Lei do Saneamento, a revisão tarifária deve ocorrer a cada quatro anos. Em 2021, a Sanepar deverá fazer um novo procedimento destes.
Entenda o reajuste
Este mês, a Sanepar reajustou em 8,53% a tarifa de água (o aumento total deverá ser de 25,63%, mas será escalonado pelos próximos sete anos). Apesar do aumento, a empresa argumenta que cerca de 22% da população paranaense está pagando menos do que pagava antes. É a faixa de consumidores que gasta até cinco metros cúbicos por mês.
Antes de aplicar o reajuste de 8,53%, a Sanepar fez uma reestruturação na antiga tabela de preços: as pessoas que consomem até 8 metros cúbicos de água ganharam descontos entre 10,2% e 1,8% na tarifa. Quanto menor o consumo, maior o desconto. Depois da reestruturação é que a Sanepar aplicou os 8,53% de aumento em todas as faixas.
No entanto, apesar do aumento, algumas faixas de consumo chegaram a ter desconto. Como por exemplo, a faixa de consumo de 5 metros cúbicos. O desconto antes do reajuste foi de 10,2%. Depois disto é que foi adicionado o aumento de 8,53%. Ou seja, a pessoa está pagando menos pela água, pois a porcentagem de desconto foi maior que a porcentagem do reajuste. Já quem consome 6 metros cúbicos, por exemplo, está pagando 0,5% a mais.
Reajuste + reajuste
Além do reajuste de 25,65% (dividido entre 8,53% em 2017 e 2,11% + Selic nos próximos sete anos), a tarifa de água ainda vai sofrer o reajuste anual da inflação a partir de 2018. A medida, diz a Sanepar, é para recompor o poder de compra da companhia. Entre os anos de 2006 a 2010, a tarifa de água ficou sem nenhum tipo de aumento. De 2011 a 2016, afirma a Sanepar, a tarifa teve apenas a reposição da inflação.
Mas o economista Fabiano Camargo da Silva, técnico do Dieese, rebate a informação. Conforme cálculos do Dieese, a inflação do período foi de 40%, enquanto os aumentos na conta de água chegaram a 106% (a tarifa social, especificamente, sofreu aumento de 77%). Só em 2015, diz ele, foram três majorações (maio, julho e setembro). E não houve retorno disto à sociedade, afirma.
Ações valorizadas
Além de repor o que foi perdido enquanto a tarifa estava congelada, diz Fabiano, a Sanepar está tentando aumentar o valor de suas ações. Se entra mais dinheiro em caixa com o aumento da tarifa, a empresa está lucrando mais e aumentando seus ativos. Em consequência, as ações da empresa crescem de valor e os acionistas (pessoas que compraram as ações) lucram mais. Mas é um dinheiro que traz privilégios ao bolso dos acionistas, não à sociedade.
Fabiano também acha que o aumento veio numa hora errada, no meio de uma crise, desemprego e incertezas. Os trabalhadores mal tiveram a reposição da inflação em seus salários, nos últimos quatro anos, enquanto a Sanepar, analisa ele, teve um lucro de R$ 2,5 bilhões no período.
Fabiano ainda ressalta que, de fato, a reestruturação da tarifa privilegiou algumas pessoas. Mas somente aquelas famílias que consomem menos que 5 metros cúbicos por mês (a média é 2,5 metros por pessoa). A partir de 6 metros cúbicos consumidos (uma família de três pessoas, por exemplo), as pessoas começaram a sentir o aumento no bolso. Ele parte de 0,5% até 12,9%.
Sobrou pro povão
Carlos Magno Bittencourt, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon-PR), não enxerga com bons olhos o aumento de 25% na tarifa de água. Por má gestão em anos anteriores, a tarifa ficou muito tempo congelada. Agora, que o reajuste foi necessário, veio muito alto para o bolso do consumidor. Mesmo que escalonado, não deixa de ser um impacto ao orçamento das famílias. “É inadequado fazer isso no meio de uma crise. O desemprego é grande, a renda das famílias está menor, elas estão endividadas e inadimplentes, com juros asfixiando. As famílias que consomem menos água foram privilegiadas com as mudanças nas faixas de consumo. Porém mesmo que o aumento para outras represente poucos reais, não era o momento para isso. Precisa de um melhor planejamento. Se não, sobra no lombo do povo”, analisa Carlos.
Ele ainda mostra que o aumento da água pode gerar um efeito cascata. Ele cita como exemplo um restaurante, que precisa usar muita água. “Esse custo a mais da conta de água vai entrar na planilha de gastos do estabelecimento, que por sua vez vai passar o custo para o cliente. Não podemos enxergar somente uma ‘árvore’, mas a ‘floresta’ toda”, mostra ele. Carlos acredita que a próxima revisão tarifária (daqui a quatro anos) será bem mais suave.
Investigação
O Ministério Público do Paraná e o Procon Paraná abriram procedimentos internos para averiguar se o aumento da tarifa não é abusivo ou ilegal. A Sanepar diz que tudo foi feito conforme determina a Lei do Saneamento (11.445/2007), e auditado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná (Agepar).