Os usuários do transporte público em Curitiba e Região Metropolitana já estão tão acostumados com as paralisações dos motoristas e cobradores de ônibus que nem se surpreendem quando recebem a notícia de que precisarão de uma rota alternativa. Afinal, só em 2016 foram realizadas mais de 20 mobilizações entre protestos, paralisações e greves, todas motivadas por atraso nos pagamentos dos salários dos trabalhadores.
Para piorar a situação, o ano de 2017 começou com o mesmo cenário já que mais de dois mil motoristas e cobradores das viações São José Filial, CCD e Tamandaré Filial não receberam a remuneração de dezembro. Por isso, a primeira greve do ano aconteceu ontem (10) e prejudicou usuários de 75 linhas, incluindo Inter II, Inter III, Inter V e alguns biarticulados.
Para a estudante Ivy Sumini, de 22 anos, a situação já virou rotina. Moradora do bairro Boqueirão, ela já passou várias situações em que precisou mudar os planos na última hora porque não tinha transporte. “Isso acontece principalmente nessa época de fim e começo de ano porque tem o pagamento do décimo terceiro salário e depois o aumento. Então, a gente acaba acostumando com as paralisações nesse período”.
No entanto, ela garante que “se acostumar” não significa “concordar totalmente” com a situação. “Eu sei que os trabalhadores precisam lutar pelos seus direitos e merecem isso, mas acho que poderiam agir de maneira diferente, sem gerar tanto caos”, pontuou.
Assim como ela, o passageiro Marcos Padilha, 32 anos, também acredita que as greves prejudicam, e muito, os usuários. “Quem precisa do ônibus todo dia sofre demais quando fica sem o transporte. Só que eu não tiro a razão dos colaboradores porque eles precisam receber o salário pelo qual trabalharam. O que tem que acontecer é as empresas se organizarem para realizar o pagamento, nem que seja com acordos para evitar que tudo fique parado assim”.
As reclamações são tantas que alguém sempre acaba ouvindo mais do que gostaria. É o caso da cobradora Vanderleia Costa Lopes, que precisou acalmar alguns usuários estressados que passaram ontem por ela. “Muita gente não sabia que várias linhas estavam paradas por causa da greve e teve até um senhor que ficou muito bravo com a situação e saiu xingando”.
Como foi a greve desta vez
De acordo com o Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), uma assembleia realizada durante a madrugada definiu a paralisação dos colaboradores das viações CCD e São José Filial.
Com isso, a CDD propôs pagar 80% do salário ontem e 20% hoje, o que fez com que os ônibus da companhia voltassem às atividades por volta de 12h. Já os trabalhadores da empresa São José Filial receberam a proposta de parcelamento do salário atrasado, e não gostaram da ideia. Apenas por volta das 16h30, a empresa decidiu pagar 35% das remunerações ontem e 25% hoje. Esses valores, somados aos 40% que já estavam pagos, quitam os pagamentos, então os funcionários aceitaram e voltaram ao trabalho no fim da tarde.
No entanto, as empresas Tamandaré Filial e Tamandaré Matriz ainda possuem indicativo de greve, pois os empregados concordaram em aguardar 72 horas (contadas a partir de 5h da manhã de terça-feira) para, então, cruzarem os braços. “Se tiver greve, será mais uma das 40 que eu já participei nos 20 anos de trabalho. Estou quase me aposentando, mas fico triste pelos meus colegas”, lamentou Antonio Carlos, motorista da Almirante Filial.
Além disso, o sindicato adiantou que a Viação São José pode não ter o valor necessário para acertar o vale no próximo dia 20. Por isso, os trabalhadores deverão aprovar o indicativo e paralisar os serviços caso haja atraso no pagamento.
Por que as empresas não pagam?
De acordo com o Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), duas situações motivaram as paralisações durante o ano de 2016 e, se não forem reavaliadas, causarão novas greves. A primeira é o atraso no repasse dos valores da tarifa realizado pela Urbs, que ocasionou a última parada do ano passado. Na ocasião, a Urbs chegou a atrasar o valor de R$ 3,8 milhões para as operadoras de ônibus.
“Por contrato, a gerenciadora do sistema tem até 48 horas para realizar a transferência dos recursos, o chamado D+2, mas essa regra vem sendo descumprida, em diversas ocasiões, pelo menos desde agosto”, informou o sindicato, em nota.
Já a segunda situação que prejudica o sistema de transporte, segundo o Setransp, é o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, causado principalmente por uma projeção de passageiros irreal. “Para março a dezembro de 2016, por exemplo, a Urbs previu um total de 182.707.144 passageiros pagantes, mas só embarcaram nos ônibus 170.311.227. Isso significa que faltaram 12.395.917 passageiros nesse período para cobrir os custos do sistema, uma perda de cerca de R$ 45 milhões”.
Para entender a situação de maneira mais simples, é possível imaginar um churrasco entre amigos com custo total de R$ 100,00. Cinco pessoas são convidadas e cada uma deve levar R$ 20,00. Só que, no dia do evento, uma delas acaba faltando e não paga sua parte. “É isso que acontece no transporte. A Urbs prevê o número determinado de pessoas para pagar o custo total, mas esse número de pessoas não utiliza o transporte público neste período, e a dívida fica sem pagamento”, explicou o sindicato.
Por isso, a instituição solicita reavaliação do contrato para que a projeção de passageiros seja realista. “As empresas não pedem aumento de tarifa do passageiro. Elas querem receber o valor total pelos serviços que prestam e defendem que haja outras fontes de custeio para que o financiamento do sistema não se dê unicamente pela tarifa”.
A Urbs diz que está tudo certo
Segundo a Urbs, todos os repasses estão em dia e não há desequilíbrio econômico porque a situação está dentro do risco contratual. Procurada pela equipe da Tribuna, então, para explicar os motivos das mais de 20 mobilizações em 2016, a instituição não se manifestou.