A Casa de Passagem da Associação Social Reconstruindo Sonhos surgiu em meados de 2013, depois que o pastor Fabiano Pires Martins e outros membros da Igreja Batista de Curitiba conheceram um sonho destruído: há pelo sete anos participando do projeto Café com União, que promovia orações e cultos em presídios, souberam do sumiço de uma ex-presidiária e seus filhos gêmeos depois de ela ganhar a liberdade. Ninguém confirma, mas boatos dão conta que a mulher teria se rendido às drogas, sido morta e os filhos vendidos.
O cenário estarrecedor fez com que decidissem fazer mais que as visitas e cultos nas comunidades carcerárias: era preciso oferecer uma estrutura para reinserir ex-detentos à sociedade. Com ajuda da verba da igreja, compraram uma casa com quatro quartos no bairro Santa Terezinha, em Colombo, e criaram a Casa de Passagem para mulheres com condenações judiciais já cumpridas ou em processo.
Ao todo, 29 mulheres já passaram pelo local. Atualmente, duas são atendidas, uma recém-chegada, cumprindo em regime semiaberto a pena por assalto e outra, com uma filha de seis meses, regime domiciliar por tráfico de drogas. Lá, as mulheres têm quarto individual e outras comodidades impensáveis no regime fechado do cárcere. Também têm apoio de uma psicóloga, de uma dentista, um grupo de advogados, de um cuidador e do pastor, que é o administrador da casa.
“Nossa intenção é darmos a elas uma oportunidade que nunca tiveram na vida, não queremos reproduzir aqui a dificuldade que encontraram na carceragem. A maioria teve família quebrada, queremos que participem das atividades na igreja, oferecer novos ambientes, novos vínculos que vão mantê-las fora do crime, cursos de profissionalização”, conta o pastor Fabiano.
Apesar de toda a boa vontade investida, nem todas as histórias têm um final feliz, relata o pastor, visto que a intenção da casa é fazer com que as moças retomem a responsabilidade por suas vidas. Se ainda assim vale a pena? “Sim, Estamos investindo em vidas. Mesmo que a estatística não ajuda a mostrar, das 29, 26 não estão nas condições que gostaríamos, mas três estão bem. São três vidas resgatadas”, fala.
Um futuro melhor
O processo de reinserção também inclui a preparação para voltarem a morar em suas próprias casas, longe dos ambientes que as levaram ao crime: durante o tempo que permanecem na casa, a renda dos trabalhos externos que realizam fica em uma conta bancária própria de cada uma delas, que vai auxiliar no aluguel de uma casa ou aquisição de um terreno. Uma das ex-detentas teve a casa construída com o apoio do projeto e de doações de materiais de construção.
Essa perspectiva ajuda as mulheres a pensar em um futuro. É o caso de S., 20 anos, a moça que cumpre pena por tráfico de drogas. “Aqui na casa, tenho uma melhor condição de criar minha filha. Penso agora em ficar pela região depois de cumprir a pena, ter minha casinha. Hoje, em primeiro lugar, o melhor para minha filha”, diz a jovem, que é monitorada por tornozeleira eletrônica.
Parcerias e doações
Duas são as principais dificuldades da Casa de Passagem da Associação Social Reconstruindo Sonhos: manter as contas em dia e garantir a inserção das mulheres no mercado de trabalho. A primeira é contornada com bazares mensais e parcerias com instituições, como a Centrais de Abastecimento do Paraná S/A (Ceasa), que fornece hortifrutigranjeiros que ajudam a compor cestas básicas, ou com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), para a oferta de cursos profissionalizantes.
Pedidos pontuais de produtos, como os materiais de construção destinados às obras para as casas das mulheres, acontecem pela conta no Facebook da Casa de Passagem, com pronto atendimento da comunidade. Agora, se preparam para ampliar o imóvel para receber, simultaneamente, até 20 mulheres.
Para colaborar com a Casa de Passagem da Associação Social Reconstruindo Sonhos, entre em contato pelo e-mail fabiano@carceraria.com ou pelo telefone (41) 9796-9277.
Desafios e desconfiança
Agora, a segunda demanda exige mais que boa vontade. K., 34 anos, já sente na pele, ainda cumprindo pena em regime semiaberto e contando os dias para terminar os sete anos de pena que faltam. “Não vejo a hora de sair para a liberdade e a vinda para a casa, mesmo que só aos fins de semana, é um passo preparatório. Mas manter o emprego é o maior desafio. Trabalho como cozinheira e costureira, tenho muito orgulho do trabalho que faço, mas sinto o preconceito por ser presidiária. Tenho colegas de trabalho que nem me olham ou chegam perto”, conta.
“Há uma desconfiança muito grande da sociedade para tarefas que não sejam artesanais. Pedem o título de eleitor em entrevistas de emprego porque sabem que ex-detento só pode votar depois de cinco anos de cumprir a pena, assim, essas moças não são admitidas. Para quem quer mudar de vida, o mercado formal ainda segue restrito”, diz o pastor Fabiano.