Sede de saúde

Pelo menos 30 crianças especiais de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), podem ficar sem a única fonte de alimento que recebem todos os dias. O leite industrial, fornecido pela prefeitura, pode ser cortado e as famílias terão que seguir uma dieta artesanal que pode até colocar em risco a saúde dessas crianças. As famílias estão desesperadas.

Conforme as mães, a prefeitura informou que em novembro e dezembro deste ano e janeiro e fevereiro de 2017, o leite não vai mais fornecido. “Estão tratando nossos filhos como ratos de laboratórios, porque disseram que é um teste. Quando morrer alguma criança, aí vão querer voltar a dar o leite que as crianças precisam”, desabafa Edna Leite de Camargo, mãe do Carlos, de 7 anos.

A mulher disse que ainda não viu a receita caseira da prefeitura. “E nem quero ver, porque eu não vou fazer. Nós vamos ter que entrar na Justiça, ir atrás dos direitos dos nossos filhos. Se a prefeitura de Colombo se esquivar, o Estado vai ter que suprir”.

Edna: "Estão tratando os nossos filhos como ratos". Foto: Antonio More
Edna: “Estão tratando os nossos filhos como ratos de laboratório”. Foto: Antonio More

O leite fornecido custa de R$ 60 a R$ 80 a lata. Mensalmente, o valor total pode chegar a R$ 2,5 mil, já que há casos em que são necessárias mais de 20 latas. Por isso, para as mães, se tornou algo tão caro que foi preciso a ajuda da prefeitura de Colombo. “É caríssimo, muitas de nós não temos condições de comprar o leite para um mês, imagine quatro meses. As crianças se alimentam por sonda e a dieta artesanal, ensinada pelas nutricionistas da cidade, nós não temos como usar porque há riscos”, explicou Iris de Castro Felício, mãe de Rubiane, que tem 17 anos.

Na última reunião que foi feita, as nutricionistas já ensinaram algumas das mães a fazer a receita caseira. “Na dieta vai farinha de trigo, leite, óleo, açúcar, sal e batata. Elas querem que comecemos a fazer essa dieta porque o leite não vai ser mais fornecido. O motivo seria falta de verba, mas o que a prefeitura está fazendo com o dinheiro para o leite?”, desabafou a mulher.

A filha de Iris, Rubiane, usa o leite fornecido desde os 3 anos. “Já tentei fazer a dieta, mas o estômago dela não suporta, ela vomita. Chegou até a vomitar sangue. O médico disse que era para parar de dar a dieta e seguir somente com o leite, que é feito especialmente para os nossos filhos”.

Não podem fazer nada

Foto: Antonio More
Segundo as famílias, nutricionistas disseram que as mães não querem fazer a dieta por preguiça. Foto: Antonio More

Segundo as famílias, a indignação foi ainda maior quando algumas das nutricionistas disseram que as mães não querem fazer a dieta por preguiça. “Eu jamais teria preguiça de cozinhar para a minha filha, porque faço comida em casa. E digo mais: você acha que eu não gostaria de gostar de ver minha filha comendo com a gente? O problema é que ela, assim como todas as outras crianças, não pode usar essa dieta, é simples de entender”, pondera Iris.

Marizete Chefeman, mãe de Gabriel, de 8 anos, diz que foi recebida por uma nutricionista em casa e que a profissional ainda ironizou. “Ela disse que quem não quiser fazer a dieta em casa não é problema dela. Falou também que se meu filho passar mal, ela não pode fazer nada. Qual assistência teremos?”, questiona.

Desesperada, Marizete relata que procurou o Ministério Público do Paraná (MP-PR) e foi informada que o leite não pode ser cortado. “O promotor me disse que se o município não oferecer, o Estado é obrigado a oferecer. Sem esse leite, meu filho pode até morrer. Estão tratando nossos filhos como lixos”.

Opinião do especialista

Foto: Antonio More
Nutricionista explica que a dieta artesanal não tem micronutrientes essenciais para as crianças. Foto: Antonio More

A nutricionista Marilize Tamanini, que tem experiência com trabalhos em cozinhas industriais, pré-escolas e programas de qualidade de vida empresariais, explica que a dieta artesanal pode trazer dois problemas para as crianças. O primeiro deles está diretamente ligado ao risco de contaminação. “Com o leite, a chamada dieta industrial, essas mães usam apenas o que já conhecem. É tudo certificado e limpo. Quando envolvemos mais coisas na preparação dessa dieta, no caso da artesanal, o risco é muito maior: podemos ter contaminação pelo liquidificador, pela panela, enfim, toda a preparação de modo geral”, aponta.

Conforme Marilize, no caso dessas crianças que se alimentam via sonda, o risco se multiplica. “Porque tem também a questão da cremosidade. Se, mesmo sem querer, ficar mais grossa a mistura, isso pode interferir na alimentação, entupir e provocar novos riscos”.

Além de todos os problemas que podem ser causados por causa da dieta caseira, a nutricionista comenta também que vão faltar os micronutrientes, que são importantes. “A gente só troca uma dieta enteral quando temos uma resposta negativa do paciente. Quando tudo segue bem, sem alterações, não tem porque trocar. Exige cuidado”, alerta.

Prefeitura alega reavaliação

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Marizete procurou o Ministério Público e disse que leite não pode ser cortado. Foto: Antonio More

Sem entrar em muitos detalhes, a prefeitura de Colombo informou que não houve o corte no fornecimento da dieta nutricional aos 225 pacientes assistidos pelo programa. Conforme a administração, a dieta especial se trata de um tratamento de alta complexidade, que não é de responsabilidade do município, mas vem sendo solidária às famílias e fornece de acordo com a necessidade de cada paciente.

Conforme a nota enviada à Tribuna, recentemente foi realizada uma reavaliação nutricional com os pacientes, onde se constatou, em alguns casos, que não há a necessidade de fornecer 100% da dieta. Nesta avaliação também se observou que alguns pacientes poderiam ter esta dieta nutricional complementada com uma dieta artesanal, ou seja, que conta com a participação da família. Em contrapartida, a prefeitura não deixou claro quantos pacientes foram afetados pela mudança na dieta. Segundo a prefeitura de Colombo, “em nenhum dos casos o paciente sofrerá qualquer prejuízo em seu tratamento de saúde”.

Caso a caso

Duas semanas após a publicação da matéria, o Conselho Regional de Nutricionistas da 8ª Região – Paraná (CRN8) enviou à Tribuna um esclarecimento técnico. “Esta entidade entende que crianças, adolescentes, adultos e idosos dependentes de alimentação especial por vias diferenciadas, ou seja, por sondas enterais, devem ser avaliadas e acompanhadas individualmente pela equipe multidisciplinar responsável, que irá decidir pela prescrição da dieta”, afirma.

Segundo o CRN8, um parecer técnico divulgado pelo conselho em 2012 “assegura que não há dados científicos conclusivos e irrefutáveis que justifiquem a exclusão do uso de fórmulas enterais artesanais bem como para o uso exclusivo de fórmulas comerciais para crianças com doenças neurológicas. Sendo que a necessidade deve ser estabelecida caso a caso, considerando a condição clínico-nutricional do paciente”. A entidade ressalta ainda que em outros países o preparo de refeições para indivíduos que necessitam de dieta enteral faz parte da rotina da pessoa em tratamento.

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