Há um ponto de guias e ajudantes de caminhoneiros que existe desde os anos 70 à beira da BR-116, em Colombo. Fica no quilômetro 12, na pista sentido Curitiba, perto de um hotel e restaurante. É uma cabana de uns poucos metros quadrados, com uma cama dentro e algumas cadeiras do lado de fora. Ao lado, uma churrasqueira de tijolos assando alguns pedaços de carne. Quem vem de São Paulo ou mesmo de Campina Grande do Sul e Quatro Barras, na região metropolitana, pode ter passado por este trecho sem perceber um grupo de amigos ocupando as cadeiras puídas em frente à cabana. Às vezes um ou outro caminha até a beira da pista e acena para um caminhoneiro com placa de outro estado que passa rumo a Curitiba.
O ponto foi passado de pai para filho. Mantém a tradição de uma atividade muito presente em um Brasil que preferiu carregar o progresso preferencialmente sobre pneus. Edemir Cesar Santos, 51 anos, mora em Colombo e é chapa desde os 19. O pai dele, José Orlando Santos, era caminhoneiro. Vendo a necessidade, ainda nos anos 60, Zé Orlando montou uma espécie de ponto de informações no Rebouças, perto da antiga fábrica da Matte Leão, oferecendo serviços de guia e mão de obra para motoristas que vinham de longe.
Anos depois, ele mudou o ponto para o trevo do Atuba e, por fim, para o quilômetro 12, onde trabalhou por anos. Seu Zé Orlando morreu há 22 anos, mas deixou um legado para o filho continuar. “Chegava a ter 15 chapas aqui. Tinha bastante serviço. Vimos essa estrada mudar, não era nem duplicada quando comecei a trabalhar aqui com meu pai e irmãos. Naquela época caminhoneiro ainda era chamado de chofer”, relembra Edemir. “Vimos o cenário se transformar, muitas coisas boas, mas muita morte também”.
Melhor que GPS
O cunhado de Edemir é Francisco Correa Lima, 64 anos e chapa há 25. É aposentado e tem uma casa na praia de sócio com um parente, mas pula da cama às 5h e vai para o ponto à margem da rodovia. Só está esperando a esposa, que trabalha em um posto de saúde de Colombo, se aposentar para mudar para o litoral. Até lá, segue no ofício antigo. “Basta o motorista mostrar a nota fiscal com o endereço que a gente mostra o melhor caminho. O GPS os obriga a dar muitas voltas e a maioria quer ter segurança para não errar as restrições de horário e levar multa”, diz Chico.
Se for só para mostrar a rota, o preço fica entre R$ 50 e R$ 70. A diária, que inclui o trabalho de guia mais a ajuda para descarregar o caminhão, fica em torno de R$ 150 e R$ 200. Depende da carga. Quando um serviço aparece, não tem exatamente uma ordem de quem assume. Vai quem achar que dá conta. “Às vezes o motorista contrata dois ou três, principalmente quando é mudança”, explica Chico. Mas não é só na sorte que o trabalho aparece. “Temos nossos contatos. Muitos caminhoneiros ligam antes marcando conosco o horário de chegada. Conhecemos gente do Brasil inteiro”.
Difícil mesmo só levantar da cama
A modernização dos barracões de logísticas e os contornos nas rodovias, que desviam o fluxo de caminhões das áreas urbanas, diminuíram a demanda dos chapas. A cada seis dias no ponto, das 5h às 14h esperando, geralmente dois são perdidos. Mesmo ameaçados de extinção, eles resistem. “A maioria das cargas vêm em cima de pallets (suporte de madeira) e o trabalho diminuiu. Hoje trabalhamos mais com entregas para empresas de material de construção, distribuidoras de alimentos, caminhão cegonha para as concessionárias, essas coisas”, aponta Luiz Cezar Machado, 53 anos, há 30 trabalhando à beira da estrada.
Ele veio de Cascavel, na região Oeste e nos anos 80 participou da invasão da Vila Zumbi, em Colombo. Ali teve as duas filhas e os cinco netos. Para ele, a maior dificuldade na vida de um chapa é “sair da cama quente às 5h da manhã”. “O resto vai fácil”, afirma.
Entre as cargas mais difíceis, os chapas do ponto 12 apontaram a cal como mais nociva. “Mesmo que use luva, você fica todo assado depois. É uma tristeza. Eu evito”, fala Edemir. “Fazer mudança não é perigoso, mas é chato”, comenta Luiz. “Muitas vezes o lugar é ruim pra estacionar. Tem que redobrar o cuidado para não quebrar nem riscar nada”, completa. Foi numa dessas mudanças que Luiz tomou um calote que não esquece até hoje. “Subimos várias vezes as escadas para descarregar os móveis e na última o motorista não esperou a gente descer e desapareceu sem pagar”.
Motoristas
A maioria dos caminhoneiros atendidos pelos chapas do ponto 12 é de Minas Gerais ou São Paulo. “Geralmente, as cargas que vêm de outras regiões do país são descarregadas nesses dois estados e redistribuídas aqui para o Sul. Mas volta e meia aparece gente do Nordeste e Norte”, cita Valdemir Domingos, 49 anos, há 22 trabalhando como chapa. Ele é do Norte Pioneiro e morou 11 anos em São Paulo, trabalhando com transporte, mas foi aqui na região de Curitiba que se firmou. Foi o primeiro dos quatro amigos a deixar o ponto para uma empreitada na cidade.
Aos que ficaram, questionamos sobre os perfis de motoristas que encontram. Edemir levantou da cadeira e disparou: “aparece de tudo aqui: gay, evangélico, usuário de drogas, cara abandonado pela mulher. Uns gostam de conversar, outros não querem papo, só entregar a carga e ir embora”. Nessas idas e vindas nas cabines dos caminhões, algumas amizades acabam surgindo. “Há uns 30 anos, um caminhoneiro vinha para Curitiba e sempre contratava um de nós. Trabalhava sozinho, com caminhão próprio. Hoje é proprietário de uma empresa e possui uma frota. Os funcionários sempre passam por aqui”, conta Chico. Apesar de todos os quatro chapas do ponto 12 já serem avôs, nenhum pensa em aposentadoria. Tocar no assunto é chamar para a briga.