Contorno morte

A semana passada foi marcada pela violência de dois graves acidentes registrados na PR-418, rodovia mais conhecida como Contorno Norte de Curitiba. Na terça (26), uma mulher perdeu o controle do Logan, invadiu a pista contrária e bateu de frente com um caminhão na altura do quilômetro 4. Ficou presa às ferragens, foi socorrida, mas morreu no Hospital do Trabalhador. Menos de 24 horas depois, um motociclista que trafegava em direção à BR-277 se envolveu em uma colisão com outros dois veículos, entre eles um caminhão, e morreu na hora. Foi no quilômetro 3, no Butiatuvinha, entre os viadutos da Avenida Manoel Ribas e da Rua Brasílio Cumam.

Não são casos isolados e não é de hoje que o trecho registra constantes ocorrências. Os Caçadores de Notícias percorreram todo o Contorno Norte, entre o viaduto sobre a BR-277, na região da Cidade Industrial de Curitiba, e a Rodovia da Uva, em Colombo, na Região Metropolitana, para entender as causas do problema. Ao longo dos mais de 20 quilômetros, a equipe flagrou diversas vezes a imprudência dos motoristas, mas também constatou os vícios da via, que já é chamada por muita gente de “a estrada da morte”.

O resultado dessa mistura perigosa vira estatística. De janeiro a junho de 2016, foram 72 acidentes na rodovia, que deixaram 33 pessoas feridas e seis mortos. No mesmo período de 2015, foram 91 batidas, com 54 feridos e quatro óbitos. “Isso mostra que o cenário no Contorno está acompanhando a tendência do Paraná de redução no volume de ocorrências, mas, infelizmente, em compensação, a gravidade das colisões aumentou”, analisa o capitão Cristiano Carrijo, da Polícia Rodoviária Estadual.

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
Acidentes no Contorno Norte já superam 50% em relação ao ano passado.

As duas mortes a mais registradas neste ano representam um salto de 50% em relação ao ano passado. “Embora o número ‘dois’ pareça pequeno, o percentual é expressivo e, para nós, seria demais mesmo que fosse apenas um óbito, porque é uma vida que se perde”. Ele explica que, nos últimos oito anos, a rodovia apresentava uma espécie de perfil nos acidentes com morte, mas que isso mudou em 2016. “Antes, a colisão frontal era a causa da maior parte dos acidentes com óbito. Neste ano não: foram dois atropelamentos, duas batidas laterais e duas frontais, mas eu acredito que essa mudança seja uma questão sazonal”.

De acordo com o capitão, esse tipo de realidade não tem uma única causa. Além da imprudência dos motoristas, também é preciso levar em conta o descuido dos pedestres. “Não tem como a soma disso terminar em algo positivo”.

Pontos críticos

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
Rotatória é um dos pontos que tem mais acidentes. Foto: Átila Alberti

Ao longo do Contorno Norte, alguns pontos se destacam pelo grande número de acidentes. Em registros leves, sem óbitos, a rotatória na região do São Braz, na altura do quilômetro 1, é um dos campeões. “Ali dá muita colisão traseira, mas isso é por causa da pouca distância que os motoristas deixam entre os veículos. Então quando o da frente freia no estreitamento da pista, o de trás acaba batendo”, conta o capitão. Segundo ele, esse é o tipo de ocorrência mais comum nas rodovias paranaenses, e a PR-418 não é exceção.

Segundo o capitão, os desastres com óbito são mais distribuídos ao longo do Contorno, mas quem vive ou trabalha na região rebate esse argumento. “Aqui a gente tem vários pontos críticos, mas isso não quer dizer que é distribuído”, revela Juliano Andrade. Ele tem uma empresa de soldas às margens de uma curva da estrada, na região do Jardim César Augusto, em Colombo. “Esse ponto aqui em frente é terrível. Eu já estou cansado de ver gente morrer no meu portão e não poder fazer nada”.

Os dados da PRE revelam que, de modo geral, as colisões frontais e longitudinais – que seriam como batidas frontais imperfeitas – são as que mais matam: respondem por 46% dos acidentes com morte. “Não considero uma colisão frontal como acidente. Acidente é algo que não se pode prever. Então, dependendo do caso, é quase um homicídio”, enfatiza Carrijo. Para ele, a partir do momento que um motorista tenta ultrapassar em local proibido, ele assume o risco de produzir o resultado morte. E muitos condutores fazem isso diariamente.

No limite

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
A Tribuna registrou inúmeros flagrantes de desrespeito à legislação e à sinalização. Foto: Átila Alberti

Durante o período em que a reportagem esteve no Contorno, foram inúmeros os flagrantes de desrespeito à legislação e à sinalização. A maioria dos veículos, tanto carros quanto caminhões, trafegava visivelmente acima do limite de velocidade. Pelo caminho, os vestígios dos abusos. Muitas peças, placas, pedaços de para-choques. Na chamada “curva maldita”, no quilômetro 8, o guard-rail praticamente desapareceu e, abaixo do metal retorcido, os restos de uma carga de cimento – lembranças de algum acidente recente.

APA

O Contorno Norte corta a área de Proteção Ambiental do Iraí, que abriga as nascentes dos rios Iguaçu e Palmital e um trecho da reserva legal pertencente à Embrapa Floresta. A cada acidente, a natureza sofre com o derramamento de materiais, como o cimento na “curva maldita”.

O projeto foi alvo de polêmica na época em que começou a ser executado. Descontentes com a obra, moradores das regiões afetadas se mobilizaram pelas redes sociais e chegaram a criar uma petição online já prevendo o que, hoje, é um fato consumado. “Esse traçado não representa uma solução, uma vez que existem alternativas viáveis e lógicas que foram desconsideradas, aparentemente por razões econômicas, em detrimento de questões socioambientais”, dizia o documento.

Outro grupo protocolou uma ação civil pública contra a concessionária que administra o trecho, o município de Colombo e também o Ibama. A intenção era prevenir danos ao meio ambiente e à ordem urbanística.

Testemunha por acaso

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
Juliano: Todo mundo sabe do problema, mas ninguém faz nada para resolver. Foto: Átila Alberti

O empresário Juliano Andrade está revoltado. Habituado com a rotina de mortes no Contorno, ele revela um dado alarmante. “Aqui no (Jardim) César Augusto a média é de um a dois acidentes por semana e, com morte, pelo menos um a cada dois meses”. Ele enfatiza que a situação piorou muito há cerca de dois anos. “Os engenheiros do DER vieram, criaram esse trevo e simplesmente proibiram as conversões à esquerda. Eu sei que isso é importante, mas eles tiraram o direito de ir e vir das pessoas em vez de pensarem em algo que realmente protegesse vidas. Todo mundo sabe do problema, mas ninguém faz nada pra resolver”.

Ele sugere a implantação de uma rotatória. “Da forma como está, não faz sentido porque quem mora aqui e vem da Rodovia da Uva, por exemplo, não pode entrar no bairro, e quem vem do bairro não pode virar sentido Almirante Tamandaré se precisar, porque é proibido”. Se no local houvesse uma rótula, ele acredita que as pessoas seriam obrigadas a reduzir. “Eu me pergunto quantas pessoas ainda vão ter que morrer pra alguém dar uma solução pra isso. Isso aqui é como um revólver engatilhado. Quem escorrega, leva o tiro. Se não dá pra fazer uma rotatória, que pelo menos instalassem um radar porque, pesando no bolso, as pessoas se obrigariam a aprender”, sugere.

“Tenho medo por mim, pelos meus funcionários. Nós estamos sempre em risco, é perigoso trabalhar”. Ele lembra que, há cerca de seis meses, um micro-ônibus escolar fez uma conversão proibida na frente da empresa e quase foi atingido por um caminhão em alta velocidade. “A carreta estava descendo a milhão no sentido Almirante e quase pegou o ônibus em cheio. Faltou muito pouco pra bater. Se isso acontecesse, seria criança pra todo lado. Fiquei desesperado”.

Irresponsabilidade (in)justificada

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte. Foto: Átila Alberti

Para obedecer ao que a sinalização determina nesse ponto, o motorista precisa fazer um desvio de praticamente um quilômetro pelo meio do bairro. Como a maioria prefere evitar essa volta, as infrações são rotineiras. “Os carros e caminhões entram em alta velocidade até na marginal”, lamenta o empresário.

A Tribuna flagrou um motorista de caminhão de lixo fazendo a manobra proibida. Questionado, o condutor tentou se explicar. “Eu virei porque tive que virar. Se fizer todos esses desvios, perco no mínimo meia hora e não termino o itinerário. Mas eu tomo bastante cuidado, olhei bem antes de atravessar”. Ele admte que passa pela região três vezes por semana e que sempre age da mesma forma “devido à falta de alternativas”.

Terceiras faixas

As terceiras faixas ao longo de toda a rodovia são à esquerda, em ambos os sentidos. Quando esse espaço termina, muitos veículos invadem as áreas zebradas e, muitas vezes, acabam colidindo. Isso acontece porque a maior parte da rodovia é dividida só por sinalização horizontal, sem muretas ou canteiros.

Pressão política

No início de 2015, um vereador solicitou formalmente ao secretário de Estado de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, que o governo duplicasse o Contorno Norte. Em fevereiro deste ano, o mesmo parlamentar apresentou, no plenário da Câmara Municipal, uma moção de apoio a um ofício de 2012 que pedia ao Ministério dos Transportes a federalização da rodovia. O documento teve cópias enviadas ao Congresso, e o argumento era de que isso facilitaria a duplicação da rodovia.

Segundo o texto, a obra seria “um apelo da população, que sofre diariamente com os acidentes constantes na via. Ademais, informações preocupantes advindas do DER apontam a ocorrência de 642 acidentes que deixaram 395 feridos e 42 mortos no período entre 2010 e Janeiro de 2015”.

A esperança na lei

O capitão Carrijo, da PRE, acredita que a obrigatoriedade do uso dos faróis acesos durante o dia por todos os veículos – e não somente as motocicletas – pode amenizar o problema. “Isso ajuda porque a luz ajuda as pessoas a identificarem a presença de outro veículo a uma distância maior”. A norma entrou em vigor no último dia 8 de julho.

Solução em estudos

Imprudencia dos motoristas e a sinalização sao a maior causa dos diversos acidentes na rodovia Ademar Bertoli, o Contorno Norte
Foto: Átila Alberti

Em nota, o DER revela que “em função da saturação do sistema do Contorno Norte, por onde passam cerca de 30 mil veículos/dia, está em fase inicial de estudo um novo modelo de contorno para retirar o tráfego pesado da cidade e região”. O órgão frisa que, com apoio da PRE, vem sistematicamente fechando acessos irregulares que causam acidentes.

O DER cita que trabalha na implantação de terceiras faixas e no reforço da sinalização horizontal da via. Sobre a implantação da rótula, a resposta é que por questões técnicas e de visibilidade/segurança, essa construção não é possível. “Há outros acessos, mesmo que um pouco mais distantes, mas é a forma segura de fazer”.

A respeito das terceiras faixas à esquerda, o órgão esclarece que a disposição no Contorno é uma solução técnica existente e viável, adotada em vias de pistas simples e que pode apresentar retorno à esquerda ou à direita, sem problemas. “Lá foi adotado assim por essa razão e, como em todas as implantações de terceiras faixas, há sinalização com zebras e tachões por mais de 200 metros até que a faixa se encerre. Da mesma forma acontece em outras vias, incluindo pontos da BR-116 em pista simples e outras vias concessionadas no Paraná”.

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