É hora do almoço mas o tablet parece muito mais atraente do que a comida. Na tela do dispositivo, vídeos divertidos entretém o espectador, que há muito tempo responde apenas “aham” quando perguntam alguma coisa. Alheio ao que está sendo conversado na mesa, quando chamam a atenção, responde com cara feia e, logo, volta os olhos novamente à tela. Se você acha que estamos falando de uma criança ou adolescente lamentamos informar: você está muito enganado.
Com o uso cada vez mais contínuo e frequente de dispositivos eletrônicos, organizações ligadas à saúde começam a se preocupar com a negligência de muitos pais que, colados às telas dos celulares e aparelhos semelhantes, deixam de dar atenção aos filhos. Um exemplo é a Associação dos Amigos do Hospital das Clínicas (AAHC), que neste mês lançou nas redes sociais a campanha “Conecte-se ao que importa”, que chama a atenção sobre o problema.
Topo da lista
A notícia assusta, mas não surpreende: um levantamento feito pela empresa de estatísticas alemã, Statista, apontou o Brasil como líder absoluto do ranking de países cuja população passa mais tempo no celular. De acordo com a pesquisa, divulgada em 2016, o tempo médio gasto pelos brasileiros online é de 4 horas e 48 minutos. Em segundo lugar ficou a China, com um tempo médio de 3 horas e 3 minutos por usuário e, em terceiro, Estados Unidos, com 2 horas e 37 minutos de uso diário do aparelho.
Preocupados com as consequências que o uso excessivo desses dispositivos podem trazer à saúde não apenas física, mas também psicológica das famílias, a campanha “Conecte-se ao que importa” idealizada pela Associação dos Amigos do Hospital das Clínicas (AAHC), por meio do Programa Dedica – que trata da defesa dos direitos da criança e do adolescente em parceira com a agência Tif Leag, a ação serve de alerta para pais, mães, cuidadores e o público adulto em geral, sobre a importância de interagir com as crianças, deixando de lado o celular nos momentos de convivência familiar.
Violência virtual
De acordo com a pediatra e coordenadora do Programa Dedica, Luci Pfeiffer, o problema é mais grave do que se imagina. “Essa negligência pode parecer inofensiva num primeiro momento, mas sem que os responsáveis percebam, a falta de atenção ao filhos pode chegar àquele ponto que chamamos de ‘violência virtual’, que acontece por conta da falta de carinho, atenção e diálogo”, alerta.
Segundo o Ministério da Saúde, qualquer omissão dos pais, parentes, responsáveis, instituições e da sociedade em geral – feita de forma consciente ou não – e que resulte em danos físicos, emocionais, sexuais e morais às vítimas, faz parte do rol da violência.
Tanto é verdade que, encabeçando a lista de agressões contra a criança e o adolescente, levantada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, a partir dados recolhidos em todo o território nacional por meio do Disque 100, a negligência foi apontada como principal forma de violação de direitos dos menores de idade no Brasil.
“Entendemos que o vício em celular, quando afeta o relacionamento entre as crianças e os responsáveis, configura uma forma de violência análoga ao abandono, já que elimina a interação familiar saudável”, ressalta.
Saia da rede
Com quadrinhos coloridos e legendados com frases curtas, mas que mexem com a consciência dos pais, a campanha será dividida em três etapas com foco nas redes sociais, como grupos de Whatsapp e postagens no Facebook e Instagram. A primeira, que já está rolando, traz perguntas e afirmações como: “mãe, qual é a senha pra conversar com você?”, “quando você larga o celular é seu filho que vibra” e “87% das crianças se sentem trocadas pro um celular. E você preocupada com o tempo que passa fora de casa”.
A segunda etapa, que deve começar a circular em alguns meses, vai tratar dos danos à saúde cada vez mais precoces, provocados pelo uso exagerado dos dispositivos. “Temos visto um aumento significativo de problemas posturais, insônia e miopia decorrentes da observação prolongada de pequenas telas. O objetivo é alertar sobre como o uso precoce desses aparelhos prejudica a coordenação motora e o desenvolvimento das crianças”, afirma.
Acesso restrito
Por fim, a campanha vai abordar os riscos aos quais as crianças são expostas no universo online como conteúdos pornográficos e violentos. “Muita gente dá a desculpa de que permite o acesso porque é divertido ou porque as crianças gostam, mas isso não é e nem pode ser visto como brincadeira. Brincar é interagir, é tocar, é participar. Brincar com uma tela não é brincar. É só matar tempo”, finaliza Pfeiffer.
Para quem gostou da ideia basta compartilhar o conteúdo que, em breve, estará disponível no site: www.programadedica.org.br e, é claro, conectar-se com aquilo que realmente importa: o abraço, o toque, a conversa e o carinho.