Não há comerciante ou trabalhador do entorno que não conheça a correria de drogas e quem as vende. O tráfico acontece em todos os horários do dia, todos os dias por semana, inclusive quando está frio e chovendo. Os traficantes pequenos vendem os entorpecentes e os viciados usam, principalmente o crack, nas portas e vitrines dos comércios, no meio da praça, perto dos pontos de ônibus, na escadaria da Catedral, em qualquer lugar, sem nenhum pudor.
A Tribuna flagrou uma mulher vendendo crack na porta de uma lanchonete, em frente a um ponto de ônibus. A mulher tirou duas pedras da boca, entregou para uma viciada e recebeu uma sacola em troca, com alguns produtos. Em seguida, voltou para dentro da lanchonete, talvez para “repor” as pedras na boca. “Se você ficar meia hora aqui já identifica a correria. Tem até um velhinho de cabelo branco que vende”, relata uma enfermeira.
Ineficácia
Os comerciantes relatam que não podem fazer nada, para não arranjar encrenca. “Nem adianta chamar a polícia, porque ou a PM não vem, ou quando vem não faz nada”, lamenta a funcionária de uma farmácia, que sofre furtos de produtos diariamente na loja e dois ou três assaltos à mão armada por mês. Quase todas as lojas no entorno da praça possuem seguranças nas portas.A reportagem flagrou uma abordagem da PM, próximo ao ponto de ônibus da linha Turismo. Mas de um grupo de seis ou sete suspeitos, apenas dois foram abordados.
descreve uma trabalhadora. Por motivos óbvios, nenhum dos entrevistados quis se identificar.
Pior do que na praça, contou um motorista de ônibus, é a Rua Nestor de Castro, que passa atrás da Catedral. “Lá sim é um corredor enorme de venda de drogas. Já trabalhei numa linha que faz ponto final ali e é tráfico o tempo todo. Ali e naquela travessa pequena atrás da igreja”, relata o cobrador, que já presenciou até briga de viciados na calçada, de um tentando matar o outro “na porrada”.
Pia entupida com crack
Uma lojista contou que, para evitarem de serem pegas pelas polícia, algumas traficantes escondiam pedras de crack na pia do banheiro de sua loja. A comerciante só descobriu a artimanha porque a pia entupiu e, quando ela e as funcionárias foram ver o que tinha acontecido, a pia estava cheia de pedras boiando e presas no encanamento.“Elas entravam como clientes, pediam para usar o banheiro e deixávamos. Como que íamos saber que eram traficantes e iam esconder droga lá dentro? Já pensou se bate polícia aí e acha que a droga é nossa? Como que eu ia provar que não era?”, diz a lojista, que teve que restringir o uso do sanitário.
Todo fim da tarde, diz ela, a loja fica fedendo maconha, pois o vento traz o cheiro para dentro. Os viciados fumam a erva normalmente em qualquer parte da praça, como se fosse um cigarro comum.
Pedintes pra todo lado
Não bastasse a inconveniência do tráfico, há também os pedintes que incomodam passageiros nas filas de ônibus e clientes das lojas. “Eles pedem de um jeito ríspido, forçando as pessoas a darem dinheiro, meio que ameaçando. Outros invadem a loja e abordam os clientes. Eles são fedorentos, andam todos cagados. O cheira fica aqui dentro. Espanta a clientela”, relata uma vendedora. Segundo uma farmacêutica, alguns moradores de rua chegam a atacar as vítimas para pedir coisas, roubar e abusar de mulheres. “Não dá nem pra andar com um café na mão por aqui que alguém já vem e pede a bebida”, lamenta.Já a dona de uma lanchonete conta que perdeu um cliente por causa de uma suposta prostituta que anda na praça. “Meu cliente vinha todo dia aqui. Um dia, essa mulher entrou, pediu dinheiro e ele não quis dar. A mulher ficou brava e começou a gritar que ele estava devendo R$ 10 de um programa que fez com ela e chamou um comparsa dela que estava na praça. Eles montaram guarda aqui e o cliente ficou com medo de sair. Ficou aqui mais de uma hora esperando pra voltar pro trabalho. E quando saiu, foi junto com outro cliente que se ofereceu para ajudá-lo, caso os malucos voltassem”, recorda a comerciante.
24 horas
Essa mesma lojista relata que, através das câmeras de segurança, viu a loja ao lado da sua ser arrombada de madrugada, há duas semanas. Dois rapazes entraram pela fachada e saíram carregando duas sacolas de roupas. Os marginais incomodam tanto, que ela acorda várias vezes de madrugada para monitorar as câmeras de segurança. “Se você fica um tempo olhando, é uma correria por aqui de madrugada. É marginal indo e voltando na calçada, o tempo todo”.
Comércio de tudo
Na praça se rouba, na praça se vende. Além dos furtos e roubos contra transeuntes, a Praça Tiradentes é um “polo” de venda de produtos roubados, como relógios, óculos, bicicletas e, principalmente, celulares.“Os marginais já conhecem quem passa aqui todo dia de manhã. Vivem roubando as funcionárias de um hotel aqui perto. Elas chegam cedo, por volta das 7h, quando há pouco movimento ainda, e sempre são vítimas. E os ladrões não roubam homens. Pode ver, só atacam mulheres”, comenta uma cobradora de ônibus.
confirma o porteiro de um prédio comercial, que diz que vê “cada coisa” pela porta de vidro.
Uma lojista observa que, durante a tarde, de vez em quando passa um ciclista pelos pontos de ônibus, levando objetos dos passageiros à espera dos coletivos. E o que é roubado de um lado da praça, rapidamente já é comercializado do outro lado.
Traficantes protegem e ajudam
Uma mulher que trabalha na Tiradentes conta que são quatro os “grandes” traficantes, “donos” da praça e que “cuidam” para que a polícia não apareça por ali. Eles possuem vários pequenos vendedores.Ela lembra que marginais roubaram a bolsa de uma cobradora de ônibus, esses tempos atrás. Um dos traficantes veio falar com a cobradora, pedindo que ela não chamasse a polícia porque eles mesmos iam resolver o assunto. Ainda perguntaram se ela queria de volta a bolsa com ou sem o celular. A cobradora optou por ficar sem o telefone e a bolsa foi devolvida intacta, somente sem o aparelho. Os traficantes fizeram isso porque não queriam a presença da polícia no local. “Eles falam para os cobradores que, qualquer coisa que aconteça, não chamem a polícia, e sim eles. Aí esses trabalhadores acabam se sentindo mais protegidos pelos traficantes que pela polícia”, revela uma comerciante, que tem loja em frente aos tubos.
Enquanto a Tribuna conversava com uma passageira de ônibus, três vendedores de drogas chegaram num dos tubos de ligeirinho da praça para trocar dinheiro “miúdo” por notas grandes. “Eles fazem isso porque se a polícia os pega com dinheiro trocado, caracteriza a venda de drogas, já que uma pedra de crack custa R$ 5. Se estiverem com notas de alto valor (R$ 20), já fica mais difícil caracterizar tráfico e eles dizem que o dinheiro é deles”, explica a passageira, que presencia a troca frequentemente e vê que os cobradores o fazem por medo.
“Robin Hood”
Os traficantes da praça também “ajudam” quem precisa, como já fizeram com uma prostituta que faz ponto na Tiradentes. Segundo um cobrador de ônibus, um oficial de Justiça uma vez extorquiu mil reais da prostituta, alegando que ela vendia drogas e que a denunciaria se não desse a quantia. “Mas ela não vende drogas. Só faz programas para sustentar a filha deficiente”, alega o trabalhador. Como os traficantes sabem da dificuldade da prostituta, encontraram o oficial e o fizeram devolver o dinheiro à garota.
Vereador pede mais policiamento
Por causa das constantes reclamações de comerciantes e frequentadores da Praça Tiradentes, que não aguentam mais o tráfico e consumo de drogas e os assaltos, o vereador Tiago Gevert apresentou na Câmara Municipal um requerimento para que a Polícia Militar reforce o policiamento no local. O pedido também reitera que o policiamento não deve ser apenas durante o dia, pois à noite e de madrugada também são constantes os arrombamentos de lojas e mais violentos ficam os assaltos a transeuntes.“Diariamente pegamos os pequenos traficantes. Todo dia tem gente presa e droga recolhida”
disse o soldado entrevistado pela Tribuna.
Enquanto conversava com comerciantes, trabalhadores e transeuntes, a Tribuna presenciou o trabalho de policiais militares do 12.º Batalhão, que atuam de moto pelo Centro. Eles abordaram dois rapazes, os revistaram e verificaram suas identidades. Um dos soldados explicou que, todos os dias, várias abordagens e rondas são feitas na Tiradentes.
Mas, pelo que a reportagem constatou, só o reforço de policiamento na praça não resolve o problema. Primeiro, porque assim que a polícia aparece, os traficantes correm para o lado oposto, onde ficam esperando os policiais irem embora para voltarem a agir. Segundo, que sem um bom trabalho de inteligência, os grandes traficantes nunca serão descobertos. Os pequenos traficantes presos são rapidamente substituídos e o comércio continua. Abordar somente os “pequenos” não resolve o problema. A “limpeza” tem que ser completa.