Curitiba

Sempre na hora!

Escrito por Alex Silveira

Esta é pra quem gosta de uma boa história. Mas antes de queimar a largada na leitura, primeiro dá uma olhada na foto do nosso personagem. Repare nos detalhes. Aproveite e veja que horas estão marcando no relógio que ele ajusta. Viu? Agora veja as horas no seu relógio de pulso ou no celular. Fácil? Certo, assim já dá para começar a ler e a curtir o texto,e também a entender um pouco mais do ofício do seu Salomão Woller, 88 anos, dono da Joalheria Woller, uma das mais antigas de Curitiba, fundada em 1949.

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Imagine um senhor que começou a trabalhar no conserto de relógios e de joias aos 12 anos. Que foi “despejado” da loja que tinha na Rua XV de Novembro para o alargamento da via, promovido pelo então prefeito Ivo Arzua. Que foi um dos primeiros ocupantes da Galeria Tijucas. Que viu clientes dando corda em verdadeiras relíquias suíças para saber as horas e que, agora, em frente à sua loja, vê centenas e centenas de pessoas passando com a cara grudada na tela de um smartphone, sem olhar para os lados. “É a invasão da tecnologia dos japoneses e dos chineses”, brinca seu Salomão.

A história da Joalheria Woller se confunde com a história do comércio curitibano do centro da cidade. Para os dias atuais, nos quais o empreendedorismo tem destaque, a loja carrega esse espírito na essência. Muito pela força do fundador,que, mesmo com a idade avançada, ainda costuma atender os clientes todas as tardes. “Ainda vem gente da minha geração. Acho que consegui fazer alguns amigos”, reflete o joalheiro

Começo difícil

Seu Woller é do dia 23 de maio de 1929. Aqui vale um parêntese: a pronúncia do sobrenome é “vôler” e não “vêler” como alguns confundem. A alcunha vem da Polônia. O pai, imigrante, estabeleceu residência em Araucária, onde só nasceram seu Salomão e a irmã mais velha, algo não muito comum para uma época em que as famílias costumavam ser enormes. “Meu pai chegou ao Brasil em 1926, na leva de gente que buscava uma oportunidade de melhorar de vida. As coisas não foram fáceis”, diz.

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A vinda de seu Salomão a Curitiba foi para estudar e trabalhar. “Eu fiz o ginásio no Grupo Anexo, na rua Ébano Pereira, e o científico no Novo Ateneu. Depois, parei”, revela. Com 12 anos, tornou-se empregado de uma oficina de conserto de relógios. “Não lembro quem era o dono”, explica. Aprendeu o ofício e, aos 20, entre estudos e outros afazeres, abriu a Joalheira Ozório, que ficava na praça de mesmo nome. O ano era 1949. “Fiquei ali até 1953, quando fui para a Rua XV, na quadra entre a Dr. Muricy e a Ébano Pereira. Foi nessa passagem que a loja mudou o nome para Joalheria Woller”, conta. Seu Salomão consertava relógios e joias, mas, aos poucos, foi incrementando o negócio. “Fui colocando coisas pequenas para vender e o que começou como oficina se transformou em loja”, revela.

Em 1968, com a vinda do alargamento da Rua XV, promovido por Ivo Arzua, a Joalheria Woller foi obrigada a se transferir em 30 dias para a Galeria Tijucas. “O começo na galeria foi difícil. Era um lugar escuro,acalçada era de petit-pavé e as mulheres quase não entravam por causa do saltinho que enroscava. Só vinha homem, e isso para uma joalheria não é fácil. Mas graças a Deus fui levando e cheguei aonde cheguei”, desabafa. Para a mudança, o espaço na Tijucas foi financiado em quinze anos.

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Novos desafios

Fora as transformações tecnológicas dos relógios que eram mecânicos, passaram a usar pilhas e hoje estão acoplados sem muita dificuldade aos smartphones, muita coisa foi mudando com o passar dos anos. Nem sempre para melhor. “Nossa concorrência agora são os ladrões”, reclama seu Woller. A joalheria foi assaltada três vezes. O susto foi tanto que rendeu uma parada cardíaca aos 65 anos e três visitas sérias ao hospital. “Quem resiste ao incômodo de ter uma arma apontada em direção à cabeça? Além do que, os clientes também vão ficando com medo de usar joias e param de comprar”, reflete. Mesmo com o sufoco, tem algo marcante na profissão que não o deixa largá-la. “É o ouro que entra no sangue. É isso aí, a gente trabalha com ouro e acha que é o melhor negócio do mundo”, confessa.

Foi uma vida inteira de labuta, mas seu Woller nunca teve a oportunidade de visitar uma fábrica de relógios. “As peças eram entregues pelos representantes comerciais. É igual trabalhar com carro”, emenda. Ele também não fez e não costuma fazer longas viagens. O relax com a família, assim como faz boa parte dos moradores da capital, sempre foi no litoral paranaense. “Não me planejei para grandes passeios, agora minha aposentadoria é irrisória para isso, mas eu confesso que gostaria de ter feito. Se bem que, quem é que não gosta de uma praia? É boa para o organismo e tem uma vista maravilhosa”, defende-se seu Woller, que buscou no trabalho a fonte da juventude. “Trabalhe, trabalhe e trabalhe. Aí, você vive do trabalho e ele te dá prazer. Sou feliz no meu negócio, sou feliz na minha vida. Não tem coisa melhor”, afirma.

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Sobre Curitiba, ele diz gostar da cidade, mas o amor já foi maior. “Como toda a cidade, ela vai crescendo e vai trazendo dificuldades. E eu sou saudosista”, diz. E talvez a turma de senhores da Rua XV colabore para isso. “Se você está no meio deles, você já faz parte. Você ri junto, ajuda a resolver isso ou aquilo por aqui. Mas vou dizer, eu já tenho mais amigo no cemitério do que em qualquer outro lugar”, arremata.

Sobre relógios

Seu Salomão Woller diz que ainda existe relógio bom, só que pelo preço eles são menos procurados. Ele diz que o relógio digital é o mais preciso, porque não depende de temperatura e não depende de quem usa, embora o mecânico seja para toda a vida. “Se você compra um mecânico, vai deixar para os seus netos. O digital não, porque é feito em série nas fábricas japonesas”, afirma. Segundo ele, a entrada das indústrias japonesa e chinesa atrapalhou a indústria suíça. “Foi isso que aconteceu”, exclama.

Para seu Woller, consertar relógios já não é um ofício há muito tempo. No auge, pelo menos cinco relógios eram consertados por ele, por dia. Se contarmos o trabalho desde os 12 anos, tirando um mês de fé- rias por ano, e imaginando que seu Salomão ainda trabalhasse nesse ritmo, ele já teria consertado mais de 91 mil relógios. Só que ele foi parando e os funcionários foram assumindo a missão. “Não faço mais. Para montar um relógio tem que se enxergar um pouco mais do que eu enxergo”, brinca. “Mas eu tenho um funcionário, aqui comigo, que vai morrer relojoeiro de tão bom que ele é. Então, está tudo resolvido”, conclui.

Taí, esse é o espírito do seu Salamão Woller aos 88: fundador de uma das joalherias mais antigas da cidade e ainda disposto a atender bem a clientela, até os mais curiosos repórteres.

Família

Seu Salomão é casado há 64 anos coma catarina Selma Woller, de 86. O casal tem três filhos, dois homens e uma mulher, mas só um dos homens segue tocando o negócio ao lado do pai. “Era ele que costumava ficar comigo na loja, quando era criança. Vivia por aqui”, orgulha-se seu Woller. O filho joalheiro chama-se Miguel Woller, 54, formado em Administração, e seu Salomão capricha na pompa para contar que Miguel entende do negócio tanto quanto ele. “Já trabalha comigo há 30 anos. Dá para dizer que hoje ele é o dono”, diz. Os outros filhos seguiram profissões distantes do legado. A moça é psicóloga e o moço médico oftalmologista. “O importante é que eu curto a família toda. Tenho netos que me dão um prazer louco, e bisnetos a caminho”, pondera.

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Sobre o autor

Alex Silveira

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