Animada, ela chega em casa. Apesar do cansaço pela intensa rotina dividida entre os estudos e o estágio, a jovem de 19 anos mal se dá conta que sua última refeição foi às 11h da manhã: um pão de queijo, na saída da faculdade. “É que não deu tempo” justifica diante do questionamento da mãe. À mesa do jantar, ela intercala a conversa com a família a rápidas olhadelas no celular. De repente, “pula” a mensagem: “cinema esse fim de semana?” – pergunta o namorado. Ela sorri.
Termina de comer, leva à pia o prato sujo e se joga no sofá. Ao som do noticiário nacional que passa pela televisão, ela brinca com os irmãos mais novos e, antes de dormir, ainda verifica mais uma vez as redes sociais. Nessa hora, a mãe entra no quarto. “Vim te dar boa noite”, diz, enquanto alinha os cobertores sobre o corpo da filha. Com um beijo, ela se despede. “Te amo. Boa noite”. “Também te amo, mãe. Até amanhã”, responde a jovem.
O cenário parece simples. Comum a muitas famílias com filhos em idade universitária. Para Maria Cristina Lobo, no entanto, a chance de viver um momento como esse é, hoje, nada mais que um sonho.
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Interrompida de forma cruel, a vida de sua filha, Rachel Genofre (que hoje estaria com 19 anos), foi lembrada na última segunda-feira em dois atos especiais, organizados em memória da menina em diferentes pontos de Curitiba. O primeiro aconteceu em frente ao Instituto Estadual de Educação do Paraná, onde a garota estudava, e o segundo na Rodoferroviária, local onde seu corpo foi encontrado, dentro de uma mala, há exatos dez anos. Na semana do memorial de Rachel, a Tribuna conversou com a mãe da menina e com advogada da família, que relembraram o caso e lamentaram a morosidade da Justiça na busca pela identificação do responsável pelo crime.
“Sem novidades”. Foi essa a resposta da advogada, Cassia Bernardelli, quando perguntamos a respeito do andamento da investigação, aberta há dez anos. Classificado pela jurista como “questionável”, o procedimento, ainda em fase de inquérito, tornou-se controverso, já que mais de 120 confrontos de DNA foram feitos com os vestígios do sêmen encontrado no corpo da menina desde a abertura do processo e nenhum se mostrou compatível ao do assassino. “É frustrante”, lamentou Bernardelli, que também considera questionável a coleta do material presente no corpo da própria Rachel. “Há dúvidas se o líquido colhido realmente era sêmen. Na época os legistas responsáveis alegaram suficiência do material para fins de exame, porém, a hipótese de que se tratasse apenas de líquido pré-ejaculatório não pode ser desconsiderada. A coleta deveria ter sido feita com toda a cautela, assim como todos os passos seguintes ao achado do cadáver de Rachel. Mas não foi isso que aconteceu. É lamentável que tanto tempo tenha se passado sem que o responsável tenha sido encontrado”, afirmou.
O mesmo sentimento traduzido em palavras diferentes. Para Maria Cristina Lobo, mãe de Rachel, “dor”, “saudade” e “revolta”, definem melhor os 10 anos que se seguiram após a morte de sua filha. Atribuindo a Deus a força que a sustentou para seguir a vida depois da tragédia, ela afirma não ter superado o trauma e, a cada ano, muda-se de endereço por segurança. “Não consegui me fixar num só lugar nunca mais depois do que aconteceu. Nem todo o apoio psicológico que recebi ao longo desses anos foi suficiente para me trazer de volta a paz completa”, disse.
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Entre lágrimas, as memórias. Quando perguntamos sobre Rachel, a mãe não conteve o choro. “Era uma menina doce e inteligente que gostava de ler e brincar com as amiguinhas”, recordou. Entre as brincadeiras, Barbie, casinha e escolinha eram as prediletas. Até o dia em que Rachel quis fazer uma “experiência diferente”. “Sem que eu percebesse ela colocou uma das bonecas no microondas e ligou o aparelho. Não sobrou nem boneca, nem microondas”, lembrou entre risos. Devoradora de “porcarias”, Rachel fazia guerra para comer salada e, muito ativa, era também boa aluna, apesar das travessuras em sala de aula. “Ela era difícil na escola e muito faladeira, mas sempre tirou notas boas e foi muito independente”, disse.
Sem solução
Foi graças à independência de Rachel que Maria Cristina jamais imaginou que o destino de sua filha seria interrompido, justamente, no trajeto que ela fazia da escola para casa. “Ela estava acostumada a andar de ônibus desde pequenininha. Conhecia os cobradores, os motoristas e os passageiros que pegavam o coletivo na mesma hora que ela. Rachel sabia os pontos ‘de cor’ e muitas vezes, quando eu dormia no ônibus, era ela que me acordava para descer. Eu confiava muito e sabia que ela era responsável” relembrou. Hoje, a mãe encara tudo de forma diferente. “Acabei desenvolvendo preconceitos que eu não tinha e custo muito a confiar nas pessoas de novo”, afirma.
Grata ao apoio da família e amigos, a mãe enxerga com gravidade e revolta a demora da Justiça em encontrar o responsável pelo crime. “Se por um lado tivemos muita ajuda, por outro parece que não estão fazendo nada”, desabafou. “Na época do crime, vizinhos e amigos se voluntariaram a fornecer material genético para poupar o trabalho da polícia e ao mesmo tempo, vemos uma investigação tão negligente, com erros graves”, disse. Da mesma forma pensa Cassia Bernardelli, a advogada de Maria Cristina. “Quando um cadáver é encontrado, ainda mais numa situação absurda como foi aquela, o básico é interrogar as pessoas no entorno do local, funcionários, testemunhas. No caso Rachel Genofre isso não foi feito. Não conseguiram nem falar com o índio que encontrou a mala onde o corpo dela estava”, afirmou.
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Para a jurista, a única solução seria começar a investigação “do zero”. “Creio que esse caso só teria a atenção que merece caso fosse conduzido por um investigador exclusivo, que se dedicasse apenas a esse processo. É preciso revisitar o local do crime, refazer o trajeto que ela fez aquele dia e ir atrás das pessoas que podem ter visto alguma coisa. Nada disso foi feito e quanto mais o tempo passa, mais improvável a chance de solução”, lamenta. Outra falha apontada pela advogada na condução da investigação foi a ausência do chamado “entorno” dos suspeitos. “A única coisa que fizeram foram os testes de compatibilidade. Isso não é suficiente. É necessário questionar a fundo o que cada suspeito fazia na data do crime, onde esteve e por onde passou nas horas anteriores e posteriores à morte de Rachel”, ponderou.
Muito demorado
Somadas ao decurso do tempo, as trocas de titularidade na delegacia responsável pela investigação e até mesmo as mudanças na gestão da Secretaria de Segurança Pública do Estado, contribuíram, segundo Bernardelli, para que o caso Rachel Genofre demorasse ainda mais para se desenrolar. “Dada a repercussão, as autoridades deveriam olhar com mais carinho para esse caso. É inaceitável essa situação se arrastar por tanto tempo ainda sem solução. Mesmo assim, nós não vamos desistir”, finalizou.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que o caso segue sendo investigado pela Delegacia de Homicídios de Maior Complexidade. A entidade enfatiza ainda que “as denúncias que chegam até a delegacia são verificadas” e que “nada é descartado”. Segundo o órgão, todos os suspeitos presos com as mesmas características do crime que vitimou a pequena Rachel Genofre são encaminhados para exame de DNA, para comparação dos materiais genéticos.
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O caso
Com apenas oito anos de idade, Rachel foi morta em circunstâncias desconhecidas na madrugada de quarta-feira, 5 de novembro de 2008, quando seu corpo foi encontrado dentro de uma mala, na Rodoferroviária de Curitiba. Encontrado seminu e com vestígios de violência sexual, o cadáver foi localizado às 2h30, por um indígena que circulava pelo local, onde também estariam alguns pertences da menina. Até hoje não se sabe como a mala foi parar na Rodoferroviária, já que as câmeras de segurança instaladas no ponto não estavam funcionando. A suspeita é de que a menina tenha sido raptada enquanto seguia pelo trajeto que liga o colégio no qual estudava ao ponto de ônibus no qual aguardava, diariamente, o coletivo que a conduzia para casa.
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