Sucesso curitibano

O ano é 1960. Às 15h de um dia qualquer, a algazarra da piazada jogando bola no campinho cercado de araucárias é interrompida por um assobio potente o suficiente para se sobressair à gritaria dos moleques. Quem chama é Roberto Bizinelli que, à porta do frigorífico, espera pela turma. De pronto, os meninos largam a partida pela metade. É hora de voltar ao trabalho. Mas antes, tirar as chuteiras. É que o Rio Barigui encheu de novo e, no chão da fábrica, a higiene vem em primeiro lugar. Assim foi desde década de 30, quando o frigorífico “Bizinelli e Filhos” começou a funcionar no bairro Campo Comprido, em Curitiba. Quase 60 anos depois, a fábrica cuja história se confunde com a do próprio bairro continua no mesmo lugar e, mais do que um simples negócio de família, alcançou status de tradição quando o assunto é gastronomia em Curitiba.

Para contar a história do empreendimento,a Tribuna do Paraná conversou com Angelo Bizinelli, um dos sócios-gerentes e neto do fundador do frigorífico, que explicou como tudo começou.

Fundada em 31 de março de 1932, a empresa nasceu para unir o útil ao agradável. Sem muitas alternativas de empreender, numa região carente de comércio e praticamente cercada pelo mato, o casal de descendentes italianos, Angelo e Maria Bizinelli, enxergou na localização do bairro e na pequena criação de suínos que tinha uma chance de começar o pequeno negócio.

“Naquele tempo a banha de porco era usada para diversas finalidades na cozinha. Como a maioria das casas ainda não tinha geladeira, as pessoas usavam banha até pra conservar a comida”, lembra Angelo que leva o mesmo nome do avô.

Se hoje a empresa demanda um abate de cerca de 150 suínos por dia para abastecer o comércio, Angelo e Maria abatiam de dois a três: o suficiente para movimentar a pequena produção cujo foco estava nas cidades de Curitiba e São Paulo. “A linguiça era produto secundário. O que importava mesmo era a banha, que na época, era vendida em latas e entregue em carroças”, revela.

Com o passar do tempo, o nome da empresa foi crescendo assim como a família – e, aos poucos, se tornando mais conhecido na capital. Na década de 60 quem circulasse despretensiosamente pela rua sem saída onde fica a fábrica até hoje, certamente se depararia com um dos quase 30 membros do clã Bizinelli no vaievem do frigorífico. Adultos, crianças, homens, mulheres. De alguma forma, a rotina da produção envolvia a cada um, conforme a sua possibilidade. Entre os pequenos, “banha”, “tripa”, “barbante” e “tacho” eram termos tão familiares quanto “bola”, “caderno” e “lápis”.

Para quem cresceu acostumado com atividade, a disciplina do trabalho aprendido desde cedo é lembrada com a mesma saudade com que se lembra das brincadeiras de infância. Todas ao pé do frigorífico. “A gente pulava cedo da cama pra estudar e voltava pra casa na hora do almoço. Só eu e meus primos ocupávamos metade do ônibus escolar. Éramos em quase 20 crianças, só da nossa família. Na hora de trabalhar não tinha desculpa. A gente largava tudo e corria pro frigorífico fazer banha. Só parávamos à tarde pra brincar”, lembra Angelo.

Felipe Rosa / Tribuna do Paraná
Felipe Rosa / Tribuna do Paraná

Linguiça pro povão!

Foi só a partir da década de 70 que o foco da produção virou o comércio da linguiça. Nesse período o sobrenome “Bizinelli” passou a ser, de fato, associado ao produto. “Até então ninguém produzia linguiça fina. Não tinha tempero nem nada. Nós fomos, praticamente, pioneiros na venda desse tipo de produto, mais elaborado”, diz. Proibido no perímetro urbano, o abate passou a ser feito, num primeiro momento, por uma empresa terceirizada, em Castro e, aos poucos, a linguiça caiu de fato no gosto do curitibano. Hoje o procedimento é feito por outra empresa parceira, no município de Irati. Mas aí você pergunta: Qual o segredo da linguiça  fininha” da Bizinelli?

Salsinha, cebolinha e carne suína de primeira: ou do pernil ou da paleta. Tudo “embalado” na tripa de carneiro. Esses são os únicos “segredos” revelados pela família quando perguntamos o que tornou a Bizinelli um dos “xodós” da gastronomia local.

Felipe Rosa / Tribuna do Paraná
Felipe Rosa / Tribuna do Paraná

Hoje, sob o comando de 17 sócios (todos descendentes de Maria e Angelo), a empresa emprega 95 funcionários e vende cerca de 110 toneladas de linguiça por mês, além de carnes e embutidos. Entre as favoritas, a linguiça toscana, a grossa e a calabresa são algumas das mais vendidas. A campeã invicta, no entanto ainda é a linguiça fina especial um pouco mais cara quando comparada às demais do mercado.

Segundo o gerente comercial do Bizinelli, Luiz Carlos Maia, a razão do custo um pouco maior é justamente a qualidade do produto. “O processo é quase artesanal e não existe mistura com outras proteínas. Trabalhamos exclusivamente com carne suína e preservamos uma receita de mais de 80 anos”, garante o funcionário.

Atualmente, a Bizinelli abastece o comércio de Curitiba e Região Metropolitana, além de municípios do litoral e também de Santa Catarina. Mudanças na logística da empresa, no entanto, prometem aumentar ainda mais este perímetro. “Estamos passando por um período de expansão e planejamos abrir uma nova fábrica, mais moderna, em Balsa Nova, na Região Metropolitana de Curitiba. Com uma área maior, o objetivo é produzir três vezes mais e gerar empregos”, ressalta Angelo. A inauguração do novo espaço deve acontecer em junho do ano que vem.

Engajamento e impacto social

Com forte compromisso humanitário, a Bizinelli contribui voluntariamente em diversas atividades do Pequeno Cotolengo Paranaense, por meio da realização de bingos, rifas e doação de produtos regularmente. Outra entidade beneficiada é a Paróquia Nossa Senhora de Lurdes, no bairro Seminário, onde boa parte da família congrega.

Por conta da forte influência dos Bizinelli no bairro, na década de 1970, a Prefeitura de Curitiba homenageou a matriarca da família batizando a rua da fábrica com seu nome, “Maria Bizinelli”.

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