Cajuru

Testamento ignorado

Escrito por Magaléa Mazziotti

O traçado mais presente na vida de quem vive em Curitiba, ironicamente, não possui um endereço de preservação da memória – e muito menos, de um espaço de exposição permanente para as cinco mil obras deixadas pelo artista plástico Napoleón Potyguara Lazzarotto, o Poty. O legado confiado ao irmão, o tabelião do Cartório do Cajuru João Geraldo Lazzarotto, 82 anos, reúne trabalhos em madeira, azulejos, serigrafias, litogravuras, entre outras técnicas, que revelam toda a produção do homem que desenhando retratou a história dele, de sua família e da cidade onde viveu. Só que praticamente todo esse acervo está trancado em um apartamento que serviu de último endereço do artista, o Edifício São Conrado, no bairro Cristo Rei.

Esse destino nada tem a ver com a vontade de João e muito menos do próprio artista. “Meu irmão deixou por escrito em seu testamento o desejo de que suas obras ficassem expostas e acessíveis ao público, mas até hoje não conseguimos nenhum apoio ou parceria que viabilizasse esse projeto”, comenta. E não foi por falta de empenho por parte de João e amigos de Poty. Desde o falecimento do artista, em 1998, o tabelião, que pouco entende de arte, custeia toda a preservação desse legado.

Há alguns anos, a historiadora e restauradora de obras Maria Ester Teixeira Cruz catalogou e digitalizou as cinco mil obras sob responsabilidade de João. O irmão do artista também investiu, em pelo menos duas ocasiões, na reforma de endereços para abrigar o acervo, só que os planos foram interrompidos por inviabilidade técnica e financeira. “É um custo muito alto, pois envolve além da estrutura de iluminação e refrigeração, toda a parte de funcionários. O ideal seria estabelecer parcerias sólidas com instituições que não abandonassem esse patrimônio, até porque eu não vou viver para sempre‘, observa João.

A preocupação do tabelião com o futuro é tamanha, que ele conta com um grupo de amigos igualmente interessados pela causa de dar o destino correto ao acervo de um dos principais artistas paranaenses. A tabeliã e oficial substituta do Cartório do Cajuru, Renata Cristina Dancini, e o amigo de Poty Rozério Alberto Machado integram esse grupo. “Para qualquer cidade do mundo é uma riqueza ter um artista como Poty, com a facilidade de se expressar e trazer tanta informação, tanta história em um desenho. Eu não consigo entender como até hoje nenhum governo, nenhuma empresa se dispôs a assumir e cuidar disso”, alerta Machado. “Há muito interesse pelo que ele produziu. Todo dia recebemos pessoas no cartório interessadas em ver o arquivo digital, observar as obras que ficam aqui e conhecer o vagão com os desenhos dele no teto”, defende Renata. Machado explica que dentro desse tão sonhado espaço em homenagem a Poty, ele gostaria de viabilizar visitas periódicas de escolas para as crianças terem a oportunidade de conhecer e tentar reproduzir desenhos. “Se de um grupo de cem estudantes, cinco forem motivados pela arte, isso pode revelar novos talentos”, avalia. João conta que o acervo reúne material para cativar todas as idades. “Com oito anos ele já fazia um gibi cujo personagem principal era o Aroldo Homem Relâmpago, seria muito interessante para as novas gerações terem contato com tudo isso”.

Muito além de um cartório

O local em que hoje está instalado o Cartório do Cajuru, na Avenida Presidente Affonso Camargo, foi onde a família Lazzarotto viveu durante a primeira metade do século passado. “Minha avó vendia flores, principalmente copos de leite, que tomavam conta do banhado que tinha aqui”, recorda João. “Trabalho há 65 anos no mesmo lugar onde nasci”, revela.

Lá, em um barracão retangular anexo à casa, a mãe de Poty e João, dona Júlia, servia risoto que ganhou fama entre ferroviários, militares, políticos e artistas de renome como Linda Batista e Sílvio Caldas. “O Ribas (interventor Manoel Ribas) mandou instalar telefone na nossa casa, o único da região, para saber o dia em que o risoto seria servido.

E ninguém podia atrasar, porque minha mãe fazia questão de servir pontualmente às 19h e dava para umas 40 pessoas”, lembra João, que ajudava a depenar a galinha. Ele conta que o talento de Poty foi muitas vezes apreciado nesses encontros, mesmo depois do artista receber a primeira bolsa de estudos.

Reza a lenda que o nome do espaço, Vagão dos Armstício, surgiu em referência ao vagão parisiense onde foi assinado o tratado de paz, em 1918, selando o fim da primeira grande guerra mundial. Em proporções menores do que o espaço original, o vagão continua no mesmo endereço, aos cuidados de João.

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Magaléa Mazziotti

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