Fazendo as contas, a dona de casa Ana Claudia Siqueira Machado, 30 anos, já deve ter “dado de mamar” a uns 75 bebês, mais ou menos, no último um ano e quatro meses. É que Ana Claudia é doadora de leite materno. Doa entre quatro e cinco litros por semana (e já teve épocas que chegou a doar quase o dobro) e já soma 141 litros cedidos ao banco de Leite Humano do Hospital Evangélico. E isto que a soma é só da sua segunda filha, Sophia, de um ano e cinco meses. Pois da primeira filha, Beatriz, 6 anos, também doou por um ano.

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Quando teve Beatriz, Ana Claudia nem fazia ideia de que poderia doar seu leite. Até receber a visita de uma enfermeira, para quem ela relatou que estava com o peito muito cheio e dolorido. A profissional orientou a tirar um pouco do leite, para aliviar a dor, e procurar um banco para doar. Hoje, a dona de casa é a maior doadora do Banco de Leite do Evangélico. “Basta um pouquinho de força de vontade, 10 a 15 minutos por dia, para fazer a ordenha do que sobrou depois de amamentar seu bebê”, orienta a mãe.

Rosane da Silva, enfermeira que criou o Banco de Leite do Evangélico explica que o leite é dado aos bebês internados em UTIs, principalmente os de alto risco (cerca de 70% dos internados) não só do Hospital Evangélico, mas também de outros na grande Curitiba.

A enfermeira explica que a maioria dos bebês em UTI não pode receber o leite artificial (de lata), porque são feitos com leite de vaca. A célula de gordura deste animal é mais difícil de digerir que a humana. Com isto, muitas destas crianças acabam desenvolvendo alergia à lactose de vaca.

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Rosane ainda explica que muitas mães que estão com seus bebês internados não conseguem produzir leite suficiente para a demanda de seus filhos ou não chegam a produzir nada. As causas são estresse que sofrem com toda a situação que envolve ter um filho numa UTI. E o estresse é um dos fatores que bloqueia a produção de leite. Por isto, estas crianças precisam da ajuda de outras mamães.

O leite materno aumenta a imunidade do bebê, reduz o risco de infecções e o tempo de internamento. Reduz os custos do hospital porque libera leitos de UTI mais rapidamente.

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Ana Cláudia não sabe como consegue produzir tanto leite. Além de doar, continua amamentando Sophia quase 15 vezes ao dia (4 de madrugada e mais umas 10 durante o dia). “Acho que a vontade de ajudar é o que faz aumentar tanto a minha produção. Fico pensando: ’e se fossem os meus filhos numa UTI?’”, diz Ana Cláudia, que exige respeito dos familiares que a chamam de “mimosa”. “Aí eu digo, mimosa não, holandesa! Porque aqui nós somos de raça”, brinca a dona de casa.

Ana Claudia nem fazia ideia de que poderia doar seu leite, até receber a visita de uma enfermeira. Foto: Felipe Rosa

Pode faltar leite

O Banco de Leite do Hospital Evangélico tem, atualmente, 120 doadoras ativas. Rosane diz que, dosando bem as quantidades e quais bebês vão receber o leite, é possível suprir a demanda. No entanto, às vezes falta e é preciso dar o artificial, mesmo sabendo que não é o ideal.

Além disso, a UTI neonatal do Hospital Evangélico está sendo ampliada e terá o dobro de leitos atuais. A enfermeira teme não ter leite suficiente para a nova demanda. O Banco de Leite tem apenas um carro e um motorista para fazer a coleta nas casas das doadoras, por isto, não consegue abranger a região metropolitana.

“Contamos muitas vezes com a colaboração de outros hospitais da RMC, que coletam das mães internadas e mantém conservado até conseguirmos ir buscar, a cada 15 dias. Depois que pasteurizamos o leite aqui no banco, devolvemos 30% a estes hospitais, para que usem em suas UTIs”, explica a enfermeira.

Além do Evangélico, o Hospital de Clínicas também possui um banco de leite. Outro acabou de ser inaugurado em São José dos Pinhais, mais ainda está em início de operações. Fora estes, o mais próximo fica em Ponta Grossa.

Importância sem fim

“A Amanda (19 anos) amamentei por dois anos e a Raquel (15 anos) por um ano e meio. Nunca tiveram uma doença grave, mal pegam resfriado”, orgulha-se ‘Lena‘. Foto: Felipe Rosa

Enquanto algumas mães sentem-se orgulhosas por estarem doando leite materno, outras agradecem eternamente pelo alimento cedido a seus filhos. A costureira Aldivina Ferreira dos Santos, 39 anos, a ‘Lena‘, ficou com sua filha Sophia, 10 meses, internada na UTI do Hospital Evangélico por 35 dias. E a criança foi uma das receptoras do leite de Ana Cláudia, mostrada na página anterior. “Não tem como agradecer, não tem preço. O leite materno é o que fortaleceu minha filha para sair da UTI”, diz a costureira.

Meses depois do diagnóstico do ginecologista, de que não podia mais ter filhos, ‘Lena‘ descobriu-se grávida, já aos três meses de gestação. A criança nasceu  prematura, com 30 semanas, e precisou ir para a UTI.

‘Lena‘ amamentou Sophia neste período. Mas o bebê teve problemas no estômago e começou a receber por sonda o leite que a mãe ordenhava do peito.  Mas possivelmente por causa de todo o stress que a situação trazia, a mãe não conseguia produzir o suficiente para a filha, que não aceitou o leite artificial e precisou do leite materno doado. ‘Se não fosse isto, ela teria passado mais tempo na UTI, a recuperação seria muito mais difícil. Se você pode doar, doe. Estará salvando vidas‘, aconselha.

E algo raro aconteceu com a costureira. Conforme a enfermeira Rosane da Silva, responsável pelo Banco de Leite do Hospital Evangélico, a grande maioria das mães de prematuros não continua amamentando seus filhos depois de saírem da UTI, pois não insistem na relactação. ‘Mas até mesmo mães que adotam crianças conseguem produzir leite, mesmo não gestando. Só precisa estimular o peito‘, explica ela.

No caso de ‘Lena‘, como sua filha não aceitava o leite artificial, os médicos não liberaram ela do hospital enquanto a bebê não pegava o peito de volta. Assim, depois de sair da UTI, ainda ficaram uma semana no hospital, até a amamentação dar certo. “Leite materno é antibiótico, é o melhor alimento. Só o meu leite poderia deixar ela bem. E veja as minhas outras filhas. A Amanda (19 anos) amamentei por dois anos e a Raquel (15 anos) por um ano e meio. Nunca tiveram uma doença grave, mal pegam resfriado”, orgulha-se ‘Lena‘.

Leite seguro

A enfermeira Rosane da Silva é responsável pelo banco de Leite Humano do Hospital Evangélico. Foto: Felipe Rosa

A enfermeira Rosane da Silva, responsável pelo banco de Leite Humano do Hospital Evangélico, mostra que o leite recebido das doadoras passa pelo processo de pasteurização, que elimina todo e qualquer tipo de contaminação, Mantém as propriedades e o torna seguro a quem recebe.

Em cada frasco doado, 10% do leite é usado em testagens. Na primeira delas, as enfermeiras sentem o cheiro (para ver se está azedo ou se há odor de cigarro, perfume, alimentos não aconselhados durante a amamentação, etc.). Depois, filtram em busca de sujidades (pelos, cabelos, etc.) que possam ter contaminado o leite e o inutilizam. Depois, mais amostras são coletadas para se testar acidez e calorias. Se ele passar por todas estas etapas, o líquido é transferido para um vidro mais grosso e é levado para uma máquina esterilizadora. A partir daí, está apto para ser consumido.

Mãe “de leite” não pode!

Muitas mulheres que estão com bastante leite no peito, no intuito de ajudar, acabam colocando outros bebês – da irmã, da prima, da amiga ou da vizinha – para amamentarem em seu seio. Mas, explica a enfermeira Rosane da Silva, esta amamentação cruzada traz um grande risco de proliferação de doenças.

Rosane dá como exemplo uma mãe que já teve hepatite B. Mesmo curada, o vírus permanece no sangue. O próprio bebê dela, amamentando, não pega a doença porque, ainda no útero materno, criou anticorpos contra a contaminação. No entanto, se esta mãe for amamentar um bebê que não é seu, ela transmitirá o vírus à criança. Outro exemplo é um bebê que esteja com cândida na boca e, ao amamentar em outra mãe, passa a cândida para o seio. Isso pode causar mastite (inflamação das mamas) na mulher e prejudicar a amamentação.

Por isto, ressalta Rosane, se for necessário complementar a dieta com leite de outra mãe, é necessário que este leite tenha passado pelo processo de pasteurização dos Bancos de Leite, para que todos os riscos sejam eliminados.

Doe qualquer quantidade!

Depois de ler a reportagem ao lado, sobre a Ana Cláudia, que doa entre quatro e cinco litros de leite por semana, muitas mães devem estar se comparando e pensando. ‘Ih, se eu conseguir 100 ml por semana é muito, nem vou doar, não vale a pena‘. Mas não é correto pensar desta forma. Toda e qualquer quantidade é muito bem vinda e salvará vidas.

Eu, repórter, fui doadora de leite por pouco mais de dois meses, em 2011. Eu tirava leite duas vezes ao dia, o que sobrava da amamentação da minha filha. Na primeira semana, eu mal consegui coletar 100 ml. Com o tempo, fui aprendendo melhor a ordenhar e a produção aumentou. Chegava a doar de 300 a 500 ml por semana. E o apoio da minha família (meus pais e meu marido) foi fundamental, pois eu me sentia feliz e orgulhosa do meu gesto.

Se você também quer doar o seu leite, procure um dos bancos de Curitiba, que eles fornecem toda a orientação e os materiais necessários (touca, frascos esterilizados, etc.). E não é necessário sair de casa. O Banco vai buscar o leite semanalmente.

A média de doação das mães, diz Rosane, é de três meses. ‘As mães que permanecem mais tempo doando percebemos que são as mulheres que tem mais informação e orientação sobre o assunto. E motivação e apoio da família também são importantes, pois muitas vezes as avós e os maridos interferem dizendo para parar de amamentar, dar mamadeira, dar chupeta (acessórios que estragam a amamentação). A família tem que dar apoio‘, ressalta Rosane.

Bancos de Leite

Hospital Evangélico – 3240-5117

Hospital de Clínicas – 3058-1978

https://www.tribunapr.com.br/cacadores-de-noticias/centro/match-pra-gravidez/