Em 20 páginas de papel almaço, João Maria Barbosa, 91, escreveu à mão toda sua trajetória como jogador de futebol. Ele, que nos campos de Curitiba foi consagrado como o craque Barbosinha, fez questão de ler pessoalmente toda sua história à reportagem da Tribuna, que recebeu em sua casa, no Cajuru, em um estilo elegante e impecável, vestindo terno, gravata e sapato social.
Numa leitura firme e com a voz forte, Barbosinha não deixou escapar nenhum detalhe: locais de jogos, escalações (tanto de seus times quanto dos adversários), lances, performances dos jogadores, situações que aconteceram antes ou depois das partidas e até as condições do tempo são contados como se tivessem acontecido recentemente, quando já se passaram décadas. Neste tempo, ele fez sucesso nos times Ferroviário e Água Verde.
Tudo começou em Porto Amazonas, em 1936, quando Barbosinha disputava aos 13 anos uma partida no campeonato entre escolas. Já naquela época foi profetizado: “Esse negrinho vai ser craque!”. Dito e feito. Muito, inclusive, se deve a seu pai, que o ensinou como se comportar em campo. “Meu pai me ensinou a salamear, a driblar o adversário. Naquela época o futebol era de toques”, lembra.
Telegrafista da Rede Ferroviária, Barbosinha foi chamado para integrar o time da corporação e estreou em 1944. “O Ferroviário era o time do povão”, afirma. A partir de então colecionou títulos de campeão com a equipe e disputou clássicos entre os grandes times da capital, como Coritiba e Atlético, onde, como ele mesmo fala, “fazia miséria”.
Em 1948 veio a proposta do Água Verde, e mesmo com a determinação de que funcionários da Rede só poderiam jogar no próprio time, conseguiu uma liberação para fazer parte do elenco adversário. “Mandei fazer minha própria chuteira e joguei em todas as posições. Era muito eclético, usava os dois pés e não tive nenhum problema”, conta ele, que se acertou bem como volante.
A carreira como profissional terminou no dia 21 de abril de 1957, com um saldo de ter vestido a camisa do Ferroviário e do Água Verde por 339 vezes e ter feito 94 gols. A decisão de parar foi tomada porque naquela época “era vergonhoso um jogador com mais de 30 anos”. “Futebol era bico e também era entretenimento, jogávamos no horário nobre. Na minha época não tinha alambrado nem fosso, mas hoje só falta eletrificar”, comenta ele, que não frequenta mais os campos de futebol e prefere assistir às partidas pela tevê.
Mesmo parando de jogar, Barbosinha não ficou longe dos gramados. Como técnico, revelou grandes craques que fizeram sucesso no Trio de Ferro paranaense. Durante todo este período, ele sempre esteve trabalhando na Rede Ferroviária, onde se aposentou em 1968, além de ter cursado a faculdade de Direito. O maior – e merecido – reconhecimento, no entanto, veio em 1951 com o prêmio Belfort Duarte, destinado aos jogadores mais disciplinados dos gramados brasileiros.
“Me considero um homem feliz”. Mais do que a carreira de craque, Barbosinha está casado há 58 anos e é pai de seis filhos. “Minha melhor época foi entre 1951 e 1953, quando era meio campo. Atacava, defendia, pesava 58 kg e não bebia nem fumava. Mas não sinto falta de nada. O que passou, passou”.
Guardião da história
As memórias de Barbosinha ficam guardadas com cuidado em um cômodo destinado especialmente para a carreira de jogador de futebol. Ali estão fotos antigas, recortes de jornal e relíquias como o primeiro presente que ganhou na carreira e suas chuteiras, muito bem conservadas e colocadas em local de destaque. Barbosinha também é responsável pela preservação da história do Paraná Clube. É ele quem cuida da “Sala da Memória”, que pertenceu ao Esporte Clube Pinheiros. Por enquanto a sala está fechada devido às reformas na sede social do clube.