“Meu objetivo é plantar a semente em cada comunidade carente que visito para que outros possam levar um pouco de arte para quem nunca imaginou ver um espetáculo”. Foto: Ciciro Back

Um homem, seu filho, duas bicicletas, centenas de bonecos feitos com materiais recicláveis e muita vontade de levar a magia do teatro em cada canto a crianças e adultos sem acesso. São esses os elementos que, há 10 anos, marcam a trajetória do projeto “Cabeça de coco teatro de bonecos”, que já realizou cerca de trezentas apresentações, alcançando aproximadamente 10 mil pessoas.

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Nascido e criado no bairro Cajuru, o idealizador do consagrado projeto, o analista de documentação Abel Domingues Souza, 46 anos, explica que tudo foi orquestrado para fazer algo que “encantasse” as pessoas, mas a um custo viável para ele não depender de apoio financeiro. “O povo é desacreditado do bem”, avalia. Justamente por isso que ele não quis vincular a ação a qualquer tipo de patrocínio ou influência política e religiosa. “Eu e meu filho Gabriel mostramos a cada apresentação que é possível fazer algo pelo outro sem qualquer interesse. As pessoas estão tão assustadas com tantos golpes e crimes, que toda vez que levamos o nosso teatro gratuito a uma comunidade, tem quem leve um tempo para entender que é gratuito e movido pelo interesse de um ser humano querer encantar ou fazer algo de bom por outro ser humano. Sinceramente tenho o sonho que um dia isso seja natural”, defende Abel.

De origem extremamente humilde, ele viveu por anos as diferentes privações sofridas pela falta de dinheiro. “Não é somente o dinheiro do ingresso para um teatro que limita o pobre de assistir a um espetáculo, mas suas roupas e o jeito de se comportar. Mesmo quando tem algo gratuito no Centro da cidade, essas pessoas não vão por se sentirem discriminadas, daí a necessidade de levar isso onde o público mais carente está”, aponta.

Para isso, ele lançou mão de um meio de transporte sustentável e econômico (por não precisar de combustível), a bicicleta. O modelo atual vem com um alforje (bagageiro), onde os bonecos são carregados. “São duas bicicletas, uma minha e outra do meu filho, e adaptamos a estrutura para caber nos alforjes, já que o modelo anterior, em bicicleta cargueiro, era muito pesado e acabava limitando a nossa mobilidade e alcance de lugares em que pessoas vivem praticamente isoladas”, explica.

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Alegria só com recicláveis

“Não é somente o dinheiro do ingresso para um teatro que limita o pobre de assistir a um espetáculo, mas suas roupas
e o jeito de se comportar” Foto: Ciciro Back

Abel se define como um divulgador da cultura de baixo ou nenhum custo. Por isso desenvolveu uma técnica, segundo a qual qualquer pessoa pode confeccioná-los. Ele utiliza materiais recicláveis, como o caroço do coco, para a cabeça e tampas de detergentes, esmaltes, etc, objetos retirados de qualquer beira de rio, onde as pessoas sem noção jogam lixo. Por essa experiência em transformar materiais recicláveis em bonecos, que ele passou a realizar além dos espetáculos, oficinas de criação de bonecos e brinquedos. “Eu só criei o projeto, mas o meu objetivo é de plantar a semente em cada comunidade carente que visito para que outros possam levar um pouco de arte para quem nunca imaginou ver um espetáculo. Esse tipo de magia e encantamento afeta positivamente o espírito de qualquer pessoa e a afasta do mal”, ressalta.

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Ele conta com orgulho os benefícios que essa proposta de multiplicar o seu bom exemplo impactou, inclusive, na formação do seu filho. “Quando comecei, o Gabriel tinha apenas cinco anos e vejo a pessoa generosa que ele se tornou, tanto que o deixo livre para deixar de me acompanhar, mas ele quer continuar. Ele testemunhou comigo em cada apresentação as diferentes reações que o público tem diante de algo tão inusitado. Tenho certeza que se um dia eu faltar ele seguirá”, atesta. E essa compreensão da família foi fundamental para os 10 anos de projeto, já que os feriados e finais de semana são completamente tomados pelas apresentações. “Minha esposa, além de compreender a nossa ausência em festejos como Natal, ainda ajuda costurando os retalhos que viram cabelo ou o corpo dos bonecos”, revela Abel.

O sonho precisa durar o ano todo

Atualmente, boa parte das apresentações são marcadas previamente com as associações de moradores ou escolas, para que mais crianças possam ser avisadas da apresentação. Mas Abel ainda mantém o hábito de pegar a bicicleta e convocar o seu filho para uma pedalada em busca de um lugar carente de encanto e beleza. “Não sou artista, acabei me tornando, porque antes eu me vestia de Papai Noel para visitar os mais carentes em dezembro, só que as pessoas precisam do sonho o ano todo e com os bonecos eu encontrei uma forma de contribuir mais”.

Acreditando que o principal valor de Curitiba e das pessoas que vivem aqui é a disposição em ajudar o outro, Abel dá uma dica para quem quer levar alegria ao seu próximo. “Pegue uma tampa de detergente vermelha e faça dois furos nas laterais, passe um cordão ou elástico e está feito um nariz de palhaço. Esse objeto é certeza de sucesso e de sorrisos”.

Saiba mais sobre o Cajuru