Não tem hora, não tem pudor. Para quem mora em determinadas ruas do bairro Boqueirão, em Curitiba, a rotina é de prostituição em via pública. O problema não para por aí: entre mulheres e travestis, alguns corpos à mostra se destacam em plena luz do dia. A situação foi mostrada pelo jornal em 2012 e 2013. Apesar das reclamações dos vizinhos, pelo visto, nada mudou.
Durante a tarde de um dia de semana, a reportagem da Tribuna presenciou, ao menos, cinco mulheres e dez travestis em trechos das Ruas Bom Jesus de Iguape, Carlos de Laet e Anne Frank, próximos à colégios e escolas. A abordagem acontece com qualquer veículo que se aproxima e abre as janelas. Os programas são feitos em pequenos hotéis da região ou até mesmo em casas próprias para isso. Alguns travestis admitem que vieram de outras cidades para trabalhar na capital paranaense, mas não dão mais detalhes. Um casal, de bicicleta, é o responsável por fornecer água e refrigerante para aqueles que trabalham debaixo de sol.
Em poucos minutos se percebe que algumas árvores, antes responsáveis por fornecer sombra, estão podadas. O motivo? Tornaram-se “motéis”. “O pessoal passou a acabar com a natureza aqui e com razão. As árvores estavam se tornando ponto de programas a qualquer hora do dia. O absurdo chegou ao limite”, desabafa uma mulher que prefere não se identificar. Moradora do bairro há mais de 30 anos, diz que nunca viu a situação da maneira como está. “Sempre teve esse tipo de problema, mas agora está maior do que nunca”.
Uma vizinha, também no anonimato, garante que já não sabe mais o que fazer. “Saio para levar minha neta para a escola e ela começa a me perguntar o motivo de ‘as mulheres’ estarem quase sem roupa. E aí? O que eu vou responder para a criança?”, questiona.
Outra reclamação frequente é o lixo deixado nas ruas, calçadas e até mesmo nos jardins de quem mora na região. “Todo dia de manhã eu tenho que ficar juntando as camisinhas que deixam na frente da minha casa. Não tem trégua. É uma porquice sem tamanho”, desabafa a dona de casa, revoltada. Há, ainda, o relato de garrafas de bebidas alcoólicas, carteiras de cigarro e roupas abandonadas frequentemente.
Tráfico e menores
Segundo a dona de casa, o consumo de drogas é livre e a prostituição chega a envolver adolescentes. O tráfico de entorpecentes foi comprovado pela Tribuna. Assim como a prostituição, acontece a céu aberto, a qualquer hora do dia.
“Muitos travestis são usuários de drogas e são abastecidos por traficantes que vêm até a região da nossa casa. Há pessoas que já foram assaltadas e tiveram de entregar todo o dinheiro da carteira que acabou usado para eles conseguirem mais droga”. A mulher relata que viu garotos de, no máximo, 14 anos, travestidos. “Estavam com roupas de mulher e perucas. Dois homens os trazem aqui e ficam nas esquinas monitorando. Fiquei chocada”.
Sem policiamento
“Quando a gente liga para o 190, a polícia não vem. Pelo telefone, o atendente alega que a rua é pública e enquanto não houver nada ilícito sendo feito, não tem como a PM intervir. Mas atentado ao pudor não é crime? A pessoa pode andar sem roupas por aí a qualquer hora? Fazer programa na frente do seu filho não é ilícito?”, indaga a dona de casa.
É crime ou não é?
Pela lei brasileira, se prostituir não é crime. A detenção, quando ocorre, é, geralmente, pelo artigo 233 do Código Penal (CP): ato obsceno. Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público tem pena de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa. Há, ainda, a tipificação de “Importunação Ofensiva ao Pudor”, estipulada pelo artigo 61 da Lei de Contravenções Penais: ‘importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”, que é punida com multa.
O Código Penal prevê o crime quando há o favorecimento à prostituição, pelo artigo 228. A pena para quem induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone, é reclusão de dois a cinco anos. Comete crime, também, quem mantém estabelecimento para exercício da prostituição, assim como quem tira proveito da prostituição alheia, participando dos lucros – conforme previsato nos artigos 229 e 230 do CP.
PM não pode fazer muita coisa
Por meio da assessoria da imprensa, a Polícia Militar (PM) afirma que costuma atender as solicitações de moradores. O problema, segundo a corporação, é que a PM só pode agir em situação de flagrante de crime ou delito, como em caso de tráfico de drogas ou até mesmo de obscenidade. Não é possível efetuar prisões somente com base em denúncias da população.
A corporação esclarece que o fato de alguém querer se relacionar com prostitutas ou travestis não é crime, mas se alguém estiver exibindo as partes íntimas, portando armas ou drogas, a pessoa é encaminhada para uma delegacia, a fim de que a Polícia Civil tome as providências cabíveis. A Polícia Militar afirma, também, que faz operações quando possível, para tentar garantir a ordem e o respeito nas vias públicas. Porém ressalta que sua prioridade é atender ocorrências de perigo à vida.