Dizem os livros de história que o Bairro Alto é o mais antigo bairro da capital paranaense. Em 1649, 44 anos antes da fundação da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, hoje cidade de Curitiba, o carioca Eleodoro Ébano Pereira, capitão das canoas de guerra da Costa do Sul, recebeu ordens da coroa portuguesa para recrutar pessoas em Paranaguá, montar uma expedição e subir a serra com destino ao planalto em busca de ouro. Antes de instalar-se perto do Rio Ivo, na região onde seria a Praça Tiradentes, um pequeno povoado foi estabelecido à margem do Rio Atuba, na área onde hoje fica o Bairro Alto.
Não foi exatamente a busca por ouro, mas o desejo de encontrar novas oportunidades que trouxe a família Rodrigues da Cunha para esta região, no início dos anos 70 do século passado. Venderam o sítio em Cianorte, no Noroeste do Estado, e compraram alguns terrenos no bairro. A família cresceu junto com a região e no meio dela se desenvolveu um rapaz que viria se tornar um líder preocupado com a comunidade e que não abre mão de viver em um lugar de vista altaneira, com a Serra do Mar ao fundo.
Cláudio Rodrigues da Cunha, 44, vive desde os primeiros anos na região. Foi ali que construiu uma carreira sólida como corretor de seguros e também uma relação íntima como a vida social do bairro. Desde a juventude, quando participava de grupos de jovens na igreja, esteve envolvido em projetos sociais. Depois de adulto, quando se tornou empresário, não deixou o hábito de manter as portas abertas para receber algum morador que precisasse de ajuda.
Conhece tanta gente na região que às vezes é cumprimentado na rua e leva alguns instantes até lembrar em que ocasião foi apresentado à pessoa. Às vezes a memória falha. A maioria já recebeu algum tipo de assistência, seja na facilitação de acesso a serviços de saúde, recebendo doações ou assessoria gratuita na seguradora. Entretanto, esse lema de “nunca dizer não” acabou trazendo algumas desilusões, seja por ajudar quem não queria ser ajudado, como diz Cláudio, ou por acabar dando o que a pessoa precisava de mão beijada ao invés de ensinar a pescar.
“Tem gente que se acostuma a receber favores e acaba tocando a vida assim. Tem que saber selecionar quem você ajuda e a maneira como vai fazer isso”, afirmou Cláudio sentado em sua mesa de escritório com vista panorâmica do bairro. Apesar da evolução que teve ao longo dos anos e do apreço que ganhou junto à vizinhança, ele tem dificuldade em falar bem de si mesmo e não gosta de ostentar suas conquistas em prol da comunidade. Exibe na mesa de trabalho uma foto da pequena salinha de madeira nos fundos do quintal onde começou sua empresa, nos anos 90, como lembrete de que humildade e trabalho são os segredos do sucesso.
Batendo um bolão
O foco de Cláudio nos últimos anos tem sido buscar a integração entre os moradores por meio da ocupação e melhoria de espaços públicos onde a comunidade possa ter atividades de lazer e onde crianças e jovens possam se desenvolver, ficando longe da ociosidade e das más influências muito presentes na realidade do bairro como, por exemplo, o tráfico de drogas.
“Tive um irmão que tinha problemas com alcoolismo que fiz de tudo para ajudá-lo, mas ele parecia não querer. Infelizmente acabei perdendo-o. Por outro lado, um de meus funcionários passou por sérios problemas com drogas, mas com um pouco de incentivo se tornou em um dos meus melhores vendedores”, exemplificou Claudio.
Por isso, junto com um grupo de amigos ele passou a tomar conta do estádio do Clube Atlético Bairro Alto, que além de integrar a comunidade com os jogos de fim de semana, serve de espaço para uma escolinha de futebol gratuita, em que a juventude da região pode treinar no contraturno escolar. Um professor, que recebe salário patrocinado por empresários do bairro vai três vezes por semana treinar a garotada. A esperança dele é que novos meninos tenham a mesma chance de outros que já passaram por aquele gramado, a poucas quadras da Linha Verde.
“Nesse campo jogaram alguns garotos que estão brilhando. O Willian [Farias], que está no Cruzeiro, começou aqui. O João Paulo, que hoje defende o Coritiba, comia pão com bife junto com a rapaziada depois dos jogos”, comentou Cláudio.
Para ele, conhecer a cidade não é apenas saber onde ficam os pontos turísticos. Mais importante do que isso é conhecer as pessoas que vivem nela. “Desde que resgatamos o clube do abandono, quando tiramos o estádio das mãos da criminalidade, o lugar se tornou num ponto de integração. Vários times de outros bairros vêm jogar bola, tomar cerveja e assar carne aqui. Nós vamos até os outros bairros acompanhar nosso time também. Depois disso passei a conhecer Curitiba de outra maneira”.
A missão agora é terminar de construir o vestiário novo do estádio até o meio do ano. É requisito para que o clube possa participar da Suburbana. Assim como em outros projetos de melhorias para a região, os recursos desta obra vêm do bolso dos moradores e de rifas. “Não recebemos qualquer ajuda dos governantes. Temos que colocar a mão na massa
porque o povo não quer ficar esperando, quer solução”, definiu.
Cláudio apontou para três homens que estavam trabalhando na construção do vestiário e disse: “Estas pessoas poderiam estar cuidando de seus próprios afazeres, mas estão aqui, trabalhando sem cobrar, apenas para ver este lugar um pouco melhor”.
Apesar das notícias ruins sobre a cidade, ele não se deixa desestimular. “Eu amo este lugar, não trocaria por nenhum outro. Acredito que as pessoas deveriam parar de procurar problemas e agir mais em busca de resultados. Nossa cidade melhorou muito, ainda pode mais”. Para ele, assim como foi para seus pais e avós há 40 anos, Curitiba continua sendo um lugar de oportunidades.
Índio guiou pioneiros
Na Rua Marco Polo, existe o Parque Histórico da Vilinha do Bairro Alto. O lugar foi construído para relembrar que ali existiu o primeiro povoado de Curitiba, iniciado pela expedição de Ébano Pereira. Além de uma placa explicando a história da chegada dos expedicionários, no parque há uma estátua de um chefe indígena Tingui, dos campos do Tindiquera, apontando para a região central da cidade. Segundo a lenda da fundação de Curitiba, foi um índio quem conduziu os colonizadores até o local onde hoje é o marco zero da capital, na Praça Tiradentes.
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