Vida de prisioneira

Todas as mulheres presas na Grande Curitiba são encaminhadas provisoriamente para a carceragem do 5º DP, no Bacacheri. Foto: Átila Alberti
Todas as mulheres presas na Grande Curitiba são encaminhadas provisoriamente para a carceragem do 5º DP, no Bacacheri. Foto: Átila Alberti

Elas eram estudantes, trabalhavam com carteira assinada e lutavam pela sobrevivência. Mas os sonhos dessas mulheres foram interrompidos e destruídos pelo crime. Agora, convivem com a saudade e se preocupam com os filhos deixados para trás. Não recebem visitas, improvisam materiais de higiene e dividem o espaço de 30 metros quadrados – projetado para cinco pessoas – com quase 30 detentas e alguns ratos.

Essas são algumas das situações que a Tribuna do Paraná presenciou na semana passada, ao acompanhar com exclusividade uma vistoria do Conselho da Comunidade na Execução Penal à carceragem feminina no 5º Distrito Policial de Curitiba, no Bacacheri. Todas as mulheres presas em Curitiba e região metropolitana são encaminhadas provisoriamente para lá.

Com carceragens superlotadas, delegacias atormentam vizinhos

Carceragens das delegacias de Curitiba são uma “bomba-relógio”

Assim que a equipe de reportagem desceu os degraus e se aproximou das grades que fechavam as duas celas, as presas se aglomeraram e imploraram por ajuda. No entanto, não pediam por elas, mas por familiares. Em meio ao barulho, os gritos de uma catadora de papel de 38 anos se sobressaíram. “Preciso que ajudem minha filha. Meu ex-marido me machucava muito e eu passei a morar sozinha com minha pequena de 6 anos no Parolin. Como sou eu que cuido dela, ela está sozinha”, afirmou.

Outra detenta de 35 anos começou a chorar quando falou de seu filho. Segundo ela, naquele dia o menino completava mais um ano de vida, mas a mãe não poderia lhe dar um beijo, um abraço e nem dizer que o amava. “Eu queria muito passar esse dia especial com ele. Estou com muita saudade”, disse, soluçando. “Minha mãe tem 85 anos e sofre com diabetes, osteoporose e colesterol. Eu era a única que cuidava dela e agora só temos contato por cartas”, completou outra mulher.

Os “tombos”

Além dos laços familiares desfeitos, muitas presas também abandonaram os estudos. Uma jovem de 22 anos relatou que se esforçou muito para passar no vestibular e conseguiu a sonhada vaga no curso de Medicina. “Só que eu caí por assalto e perdi minha chance de sucesso na vida”, lamentou. Outra garota de 18 anos contou que estava no segundo período do curso de Administração, quando encontraram drogas no carro do seu companheiro. “Eu estava de carona e meu namorado assumiu tudo, mas, mesmo assim, fui presa e já estou aqui há 28 dias”.

Enquanto uma moça de 25 anos revelou que começou a ser violentada pelo pai na infância e passou por diversas cirurgias. Com apenas 7 anos, foi iniciada no crack e, segundo ela, o crime que a colocou atrás das grades foi roubar R$ 24 de um transeunte.

Falta de higiene

Buraco por onde entram os ratos em uma das celas femininas do 5º DP. Foto: Átila Alberti
Buraco por onde entram os ratos em uma das celas femininas do 5º DP. Foto: Átila Alberti

Agora, todas essas mulheres unem suas dificuldades às condições precárias oferecidas na carceragem, principalmente em relação à falta de higiene. “Aqui tem ratos, sempre tem infestação de piolhos, não tem colchão pra todo mundo e o banheiro está sem descarga”, contou uma das presas. “Quando chove, entra água e molha tudo”, emendou outra. “Não temos nem talheres, e a nossa colher é a tampa da marmita enrolada”.

Nessas condições, a saúde das presas também fica debilitada, principalmente em casos de gravidez. “Uma presa ficou quase 90 dias aqui na delegacia e começou a sentir fortes dores. Ela estava grávida e foi internada. Infelizmente, perdeu seu bebezinho”, contou a detenta de 18 anos, que acompanhou o sofrimento da colega.

De acordo com um funcionário da delegacia, que preferiu não se identificar, essa paciente foi encaminhada ao Complexo Médico Penal, em Pinhais, onde recebeu atendimento e realizou a curetagem. “Casos como esse são comuns porque recebemos grávidas e mulheres com AIDS, sífilis e outras doenças que necessitam de atenção. Em todas as emergências nós acionamos o Samu”, explicou.

Outra situação complicada, segundo ele, é a que envolve amamentação. “Sempre recebemos mulheres com bebês. Só que nós não temos espaço adequado para atendê-las”, contou o servidor. Por isso, os familiares precisam trazer a criança uma vez por dia à delegacia para que a mãe saia da carceragem e alimente o recém-nascido.

Equipe policial dividida

Enquanto a equipe atende as ocorrências dentro das celas, ainda é necessário registrar os boletins de ocorrência e investigar crimes de seis bairros diferentes, pois o 5º Distrito atende Bacacheri, Atuba, Bairro Alto, Jardim Social, Hugo Lange e Alto da XV. “Nós fazemos o que dá com a equipe disponível, mas trabalhamos no limite. Infelizmente, atender as presas atrapalha muito nossas funções policiais”, lamentou outro servidor. “Sem contar que a população é atendida ao lado da carceragem, pois não temos outro espaço para isso”.

Segundo a Polícia Civil, já foram solicitadas melhorias para a delegacia, mas o pedido está em trâmite interno e ainda não há informações a respeito do início das obras. Enquanto isso, a carceragem recebe todas as presas provisórias da capital e municípios vizinhos. “As outras delegacias comunicam a Divisão Policial da Capital (DPCAP), onde é autorizada a transferência de presas para o 5º DP, até que seja realizada a transferência para o sistema prisional”, informou a corporação.

Essa movimentação das detentas, segundo o funcionário do distrito, deveria demorar no máximo dez dias, pois este é o prazo para conclusão do flagrante. No entanto, ele revela que as mulheres ficam mais de 20 dias e algumas já passaram meses ali. “Isso somado ao tempo que ficaram na delegacia onde foi realizado o flagrante”, pontua. Nesses locais, sem capacidade para recebê-las, as detentas contam que ficam isoladas. “Eu fiquei sozinha em um banheiro”, comentou a catadora de papel de 38 anos. “Fui colocada com mais duas mulheres em um canil”, falou outra.

Calamidade pública

Para o Conselho da Comunidade, a situação é de calamidade pública. “Nós visitamos regularmente todas as delegacias de Curitiba e temos visto o trabalho digno que os delegados e investigadores têm feito para dar o mínimo de dignidade para os presos. Mas o grande problema é que eles e elas não deveriam estar ali. Cadeia é lugar de passagem, não de permanência por um ou dois meses. Isso coloca em risco a vida dos presos, das presas e dos agentes públicos”, explica a presidente do conselho, Isabel Kugler Mendes.

No entanto, apesar das condições extremamente precárias, as presas garantem que a maior preocupação não é com elas, mas com seus familiares. “Nós queremos que nosso caso seja analisado o quanto antes pelo juiz para que possamos cumprir nossa pena e voltar para casa. Mesmo com problemas, a gente tem o objetivo de crescer na vida para que nossos filhos sigam um caminho diferente”, finalizou a prisioneira que estudava Direito antes de “cair”.

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