Há quem pense que adolescentes que, em algum momento, se envolvem com algo errado, seja com crime ou uso de drogas, devem ser tratados como pessoas sem solução. O projeto Tempo de Despertar, em Araucária, que ajuda e busca dar oportunidade a esses jovens, provou o contrário. “A ideia principal é abrir as janelas destas pessoas, ainda em formação, para um mundo diferente, cheio de oportunidades. Mostrar que sempre é tempo de ser melhor”, explica o promotor de Justiça David Kerber de Aguiar, um dos idealizadores do projeto.
A intenção é de direcionar para o mercado de trabalho adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, por meio da matrícula no programa Jovem Aprendiz, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O projeto é uma iniciativa da 2ª Promotoria de Araucária, em parceria com o Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), Ministério Público do Paraná (MP-PR), Senai e Assistência Social do município.
As vagas para o Tempo de Despertar foram abertas no começo do ano. Todo o projeto foi mostrado às empresas parceiras, que ofertaram vagas de emprego para os jovens. Dos 32 participantes, 13 já estão contratados e devem começar a trabalhar nos próximos dias. Além das aulas diárias, os estudantes têm acompanhamento pedagógico e uma equipe de assistência direta. “O grande diferencial é que no curso ninguém é obrigado a ficar. Os jovens continuam porque se sentem motivados mesmo”, considera o promotor.
Mudança definitiva
Os adolescentes e alguns jovens que já estudam desde o começo do mês não têm mais qualquer ligação com os crimes cometidos no passado, como furto e venda de drogas. Todos se mostram com muita vontade de seguir em frente.
Jonas*, de 17 anos, chegou ao curso através da medida socioeducativa, quando foi apreendido vendendo drogas. Os seis meses em que o menino ficou no mundo das drogas não chegam nem perto da mudança que o primeiro mês de curso fez na vida dele. “Já fiz três entrevistas de emprego, estou encaminhado e achando maravilhoso tudo isso que está acontecendo”, conta.
De manhã, Jonas faz o curso no Senai. No período da tarde, ele tem usado o tempo livre para as entrevistas de emprego e as tarefas dos estudos, mas quando for contratado, será o tempo para trabalhar. À noite, Jonas termina os estudos no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA), pois deixou de estudar por dois anos. “Mudou minha vida, começando pelo contato com meus pais, que se desesperaram quando souberam que eu estava envolvido em coisa errada. Agora, minha rotina tem sido tão corrida, que não tenho mais nem vontade de pensar no passado”.
Estudo é a peça-chave
Mudar a vida destes adolescentes é a principal intenção do projeto e o método usado, conforme o promotor David Kerber de Aguiar, é da forma que deveria ser sempre: através dos estudos e do incentivo a um futuro melhor. “O que nós percebemos, com o contato direto não só com estes adolescentes, mas também com muitos outros, é que eles têm desejos, desafios e toda aquela busca pelo o que serão quando adultos, como qualquer jovem, mas com o acréscimo de que, em algum momento e por vários motivos, se envolveram em algo errado pelo caminho. Foi pensando nisso que resolvemos ajudá-los”.
Aproveitando o momento em que ainda pode ser tempo de resgatar nestes jovens a essência de família, de seguir em frente, o Senai abraçou a causa e tornou o projeto a menina dos olhos. “Aqui nós temos um grande desafio, pois o aprendizado não é só deles, mas também nosso. Estes adolescentes queriam tanto ser aceitos e aqui dentro nós fazemos de tudo para mostrar que eles são extremamente importantes”, comenta Fabrício Lopes, gerente da unidade de Araucária.
Essa importância é sentida agora por Emanuel*, de 18 anos. O rapaz, que vendia drogas, assim como Jonas, diz que o projeto lhe deu uma nova visão de vida. “No começo deu um medo, aquele frio na barriga, mas depois eu percebi o quanto tudo poderia ser melhor. O projeto me fez levantar e me deu, de volta, o amor da minha mãe”. Contratado por uma empresa para trabalhar como jovem aprendiz, Emanuel, que ainda não começou a trabalhar, já pensa muito além do primeiro dia de trabalho. “Quero concluir o curso e ser efetivado na empresa. Daqui pra frente, é só felicidade”.
Unidos no resgate
Os dois jovens entrevistados pela Tribuna contaram que, assim como eles, os outros colegas do curso também sentiram (e ainda sentem) o mesmo medo e frio na barriga. “Tentamos ajudar uns aos outros, pois todo mundo sabe a própria realidade antes do curso. Lembrar o que aconteceu, só para que não se repita”, observa Jonas. “Nos sentimos como se fossemos mesmo uma família. Lutamos para evitar que ela se desmanche e esse elo se quebre”, reforça Emanuel.
O incentivo ao rapaz, que mora com a mãe e o irmão, foi tamanho, que em casa já pensa até em colocar o próprio irmão em um curso parecido. “Ele tem só 12 anos, estuda e não segue o meu exemplo do passado. Estamos vendo para que ele faça a prova e entre para o Senai também. Eu, como irmão mais velho, quero mostrar pra ele o tanto de coisa boa que a vida nos oferece se seguirmos pelo caminho certo”.
Projeto pode ser ampliado
Em setembro, o propósito do Senai é partir para um outro lado na vida dos jovens: estimular, profissionalizando, a família dos estudantes. “Vamos fazer uma formação com os pais. Uma turma para o curso de panificação vai ser formada e os que quiserem participar serão bem vindos. Além disso, vamos criar uma associação para ajudarmos na fonte de renda. Queremos, literalmente, fechar o ciclo para ajudarmos na reestruturação dessas famílias”, destaca Fabrício Lopes.
O objetivo do projeto, chamar a atenção do poder público e da sociedade civil, fazendo com que dediquem maior atenção a essa parcela vulnerável da população, parece já ter feito diferença. Além de firmar a ideia, o Senai estuda agora uma forma de levar a mesma ação para outras unidades do Paraná.
“Por enquanto, ainda estamos vendo como tudo vai funcionar. Mas, além do contato com os jovens, o sucesso do projeto nos motiva. Muita gente nos procurou para ver como foi feita toda a idealização do curso, pensando em levar este mesmo método. Todos nós sabemos que estes garotos têm muita chance. O que precisamos é que olhemos para eles”, conclui o gerente da unidade de Araucária.
*Nomes foram trocados por fictícios para preservar a identidade dos participantes do projeto.