“Todo dia eu chego do trabalho, lá pelas 18h, e penso: será que hoje eu vou conseguir dormir?”. Esse é o dilema do auxiliar administrativo Rafael Vidal, 30 anos, e de vários de seus vizinhos. É que eles moram próximo ao Bar da Polaca, que fica na Rua das Camélias, no bairro Campina da Barra, em Araucária. Na maioria das noites da semana há som alto no local, gritaria dos clientes, algazarra na rua, carros estacionados trancando as garagens dos vizinhos. Além disso, gente que sai dirigindo bêbada e drogada e batendo nos carros e casas próximas, enfim, muita dor de cabeça e insônia para quem mora perto.
Rafael é vizinho de muro do estabelecimento e desde que se mudou para lá, há um ano, não dorme. Anda até adiando os planos de ter um filho com a esposa, pois o casal sabe que o barulho irá incomodar o bebê. “Meu limite foi na última segunda-feira. Só consegui dormir às 3h. E às 6h eu já estava em pé para ir trabalhar”, reclamou. Ele conta que o bar tem alvará de funcionamento da prefeitura, como bar e bilhar. Mas não para música, nem comida. No entanto, música ao vivo e mecânica não faltam no local. Nem as feijoadas às quartas-feiras.
Depois de uma determinação do Ministério Público, há algumas semanas, proibindo música no local, o bar deixou apenas de tocar música ao vivo. “Mas mecânica sempre tem. E não é baixo. Não bastasse isso, tem o barulho dos clientes cantando, conversando alto, gritando, brigando, batendo os tacos de bilhar na parede. Quando saem, é falação alta, barulho de porta de carro, cantando pneu, briga”, reclama ele, que já fez uma queixa na delegacia da cidade e outras cinco junto à Polícia Militar.
Rafael já flagrou crianças na mesa de bilhar, num fim de tarde, e adolescentes (meninas) rodeadas de homens, de madrugada. Mas o problema acontece até de dia. Era por volta da 17h de um sábado quando houve tiros na porta da casa do auxiliar administrativo.
“Foram três. Um pegou no meu portão. A marca ainda está ali. E cinco minutos antes, minha sobrinha estava brincando exatamente ali”, disse ele. Em outra ocasião, um cliente drogado e bêbado enfiou o carro que tentava manobrar dentro da casa de Rafael. Derrubou o portão e empurrou o Celta do morador para dentro, que quebrou a parede de um quarto. Só não atingiu o sogro de Rafael, na cama, porque ele já tinha levantado e estava na cozinha.
Toda a vizinhança
Mas não é só Rafael e sua família que se incomodam. A cabeleireira Silmara Schmidt, 35 anos, que tem salão numa rua transversal, diz que duas das suas clientes já tiveram seus carros atingidos pelos bêbados que saem do bar. Uma estava com o carro estacionado em frente ao salão. A outra saía para trabalhar, às 8h de uma segunda-feira, quando foi atingida em frente ao portão, esperando o movimento passar para embicar o seu carro na rua.
“Agora faz um mês que não tem som tão alto. Mas o quarto da minha filha fica na frente da casa e pra ela conseguir dormir eu tinha que levar pro meu quarto, que fica nos fundos, e fechar a porta. Era muito barulho. Mas movimento continua igual. É muita gente, muito carro”, lamenta ela.
Lugar atrativo
Outra cliente da cabeleireira Silmara, que não quis se identificar, disse que tem dias à noite ou de madrugada que é impossível passar por ali, pois os clientes estacionam dos dois lados da rua e fica apertado para outros carros passarem. “Não sei o que tem aí que atrai tanta gente. E não é da vizinhança, porque nos conhecemos e ninguém frequenta ali. É gente que vem de fora”, analisa ela.
“Tem dias que eu quero sair para trabalhar de manhã e tem carro trancando minha garagem. Ou, às vezes, chego à noite, sou obrigado a parar o carro no meio da rua, entrar no bar e pedir para a dona encontrar entre os clientes quem é o proprietário do carro. Teve um dia aí que chamei o órgão de trânsito aqui da cidade. Ninguém conseguia achar o cliente, acho que dormiu lá dentro do boteco. Devem ter multado ele. Poxa, não posso nem entrar em casa! Mas dá medo de ficar reclamando, porque é muita gente mal encarada aí. Sem contar os montes de meninas novas que já vi entrando”, reclama outro vizinho, que pediu para não ser identificado. Ele mora numa casa da rua e sua garagem vive com a passagem trancada.
“Agora não tem mais som ao vivo, mas ela coloca um rádio bem alto aí, dia sim, dia não, e vai até de manhã. Mas é muita gente gritando, cantando. Às vezes eu chamo a PM e eles nem vêm”, lamenta o vizinho dos fundos. Outra idosa, que mora próximo, reiterou a reclamação e disse que desde que o bar se instalou ali, há uns três anos, sempre foi difícil dormir. “Nem o filho da dona do bar, que morava aí nos fundos, aguentou o barulho e se mudou”, reclama Rafael, o vizinho de muro.
Os moradores ao redor contam que a dona do bar já tentou fazer música ao vivo em outros locais, mas não conseguiu se fixar nestes lugares. Antes disto, relataram que ela já teve outro bar, ali próximo, no bairro mesmo. Mas até homicídio já aconteceu lá dentro. “Mas dizem que por causa do aluguel que ela pagava, que era alto, acabou montando o bar aqui na casa dela mesmo”, disse a cliente do salão de beleza próximo.
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Denúncia arquivada
Rafael conta que, além de acionar a Polícia Civil e a Militar, também fez denúncias à prefeitura. “Mas os fiscais vêm aí 14h, 15h, no horário que não tem ninguém, não tem som, não tem bagunça. Como o bar tem alvará da prefeitura, eles colocam no relatório que está tudo normal. Por causa disso, arquivaram um processo que tramitava contra o boteco. Aí fui questionar um dos fiscais, mostrar que eles deveriam vir à noite ou de madrugada, que é o horário da minha reclamação. Aí eles falaram que não vem à noite porque a chefia deles não libera hora extra. Esse arquivamento me desanimou demais. Fiquei pensando em acionar o Conselho Nacional de Justiça, ou algum outro órgão. Sei lá, nem sei mais pra quem apelar”, lamentou o rapaz, que tem fotos e vídeos de tudo o que ele reclamou em suas queixas.
A Tribuna do Paraná solicitou um posicionamento da prefeitura, que respondeu com a seguinte nota: “Nos informaram que o estabelecimento já nem conta com o aparelho de som que era motivo de acusação. Convém lembrar que casos de som alto é possível chamar a Polícia Militar (190) ou a Guarda Municipal (153) para atender a ocorrência e constatar no ato. Sem flagrar a ocorrência não há medidas a serem tomadas (notificação, multa..).”
Polícia Militar quer bar fechado
O capitão Nelson Stocheiro Gonçalves Júnior, comandante da 2ª Companhia, do 17º Batalhão, instalada na cidade, informou via assessoria que do começo do ano até agora, já tem mais de 20 ligações registradas reclamando da perturbação de sossego no local. Das vezes que a PM esteve lá, cinco termos circunstanciados já foram lavrados e algumas pessoas responsabilizadas pelo barulho. Nestas cinco ocasiões, os policiais apreenderam aparelhos de som e caixas de música (jukebox).
Conforme o capitão, a orientação que deu às suas equipes é de que façam constantes abordagens no bar, porque as reclamações de som alto e desordens são rotineiras. Por conta disto, o capitão já encaminhou ofício ao Ministério Público, para informar o problema e verificar o que pode ser feito em conjunto para acabar definitivamente com a perturbação de sossego.
A Tribuna do Paraná efetuou vários telefonemas, em horários alternados, ao Bar da Polaca, nos telefones (fixo e celular) que constam nos boletins de ocorrência da Polícia Militar e da Polícia Civil, para ouvir o que a proprietária tem a dizer sobre a situação. Mas nenhuma das ligações foi atendida.