Crônica: um dia nada comum na loucura que é o Interbairros II

Ivan Campos, motorista mais velho da linha de onibus Inter II conta para Tribuna um pouco de sua historia e tragetoria ao longo desses anos

Entre as muitas histórias que recebemos para o suplemento especial “E se o Interbairros II falasse“, algumas histórias chamaram a atenção (Você pode ler algumas delas clicando aqui). Foram muitos relatos, algumas lendas e até contos e crônicas sobre o nosso querido busão.

Um dos textos enviados foi do Rafael Fonseca Lemos. Ele mandou uma história maluca e divertida, que pode acontecer com qualquer um de nós nessas loucas viagens de Interbairros II. Tudo muito curitibano, perfeito para ler e se divertir no aniversário da nossa capital.

“Um dia qualquer”

“Nem tudo são flores a bordo do Interbairros II, mas tudo vira história. Dia desses embarquei no lagartão verde do asfalto, ali na Arthur Bernardes, e arranjei lugar lá no fundo do ônibus, onde já estava sentadão um cara meio mal encarado. Em certa altura, entraram no veículo mãe e filha. A mãe deveria ter uns 42 anos, mas tinha uma cara de bruaca que faça-me o favor; a filha devia ter uns 16 aninhos e uma saúde dessas de tirar o chapéu, um corpinho escultural e um rostinho de anjo, ai, ai.   

Pra quê? O cafajestão que tava lá do fundo do busão ó: grudou os olhos na menina e a mãe, que de boba só tinha o molejo, censurou o folgado, ali mesmo, na bucha:
– Tá admirando ela, né? Bonita ela, né?   

O rapaz, de bate-pronto, sapecou:
– De fato, muito bonita a sua neta! – e o cara falou isso na mais pura maldade afinal de contas a mulher era feia, mas não parecia avó da garota. 

 Ah, senhores, a mulher se queimou, com justa razão, onde já se viu?! E daí engrossou com o “cafa”:
– Mas essa é muito boa! Não bastasse devorar minha filha com os olhos agora me xinga de velha? Me xinga de velha! De velha! 

Só que a mãe ofendida mal acabou de dizer aí o seu travessão supracitado e foi logo censurada por uma velhinha que estava no banco para idosos do Interbairros II, logo depois da catraca.
– Te xingou de velha? Mas desde quando velha é xingamento? Velha não é xingamento, não! 

E a idosa apresentou, aos berros, seus argumentos e logo ganhou a solidariedade de um rapaz que se encontrava também na cena. Disse o moço, mais solidário que Natal de pobre:
– A senhora está coberta de razão, vovó. E eu, como estudante de Direito, ofereço-me para processar essazinha aí por danos morais e patrimoniais! Eu processo, eu processo! – vociferava o causídico como se estivesse diante do homicida de sua própria mãe. 

Só que, de repente, houve nova manifestação. Outro rapaz, um pouco mais velho, pediu a palavra e se meteu:
– Você é estudante de Direito?
– Sim! – declarou-se o moço solidário.
– Estudante ainda?
– É!
– E vai processar como, se você nem é inscrito na OAB?
– Bem, eu…
– Você é um charlatão, rapaz! E sendo eu advogado, formado pela PUC, devidamente inscrito na OAB, com anuidade paga até dezembro de 2018, dou-te, agora, voz de prisão, por exercício ilegal da profissão! 

E tudo isso acontecendo dentro do Interbairros II que seguia, a duras penas, o seu longo itinerário. 

Enquanto o pau comia lá pelo fundo do veículo, um bom velhinho aproximou-se do cobrador e perguntou:
– Meu filho, onde é que fica o ponto do Detran? Eu preciso descer no ponto do Detran, ouviu? Do Detran! É ali que eu vou ficar, entendeu?  

O cobrador respondeu:
– Ah, vovô, fica a uns cinco ou seis pontos daqui, quando chegar lá eu te dou um toque! Fique frio!
– Ah, então tá bom, filhinho, tá bom, eu te agradeço! 

E o pau tomando proporções inomináveis, dantescas, e o motorista, nem aí com aquela guerra, continuava a cumprir o roteiro definido para aquela linha de transporte coletivo urbano.   

E lá atrás o caldo já grosso ia entornando de vez:
– Tá preso!
– Velha é a tua mãe, cafajeste!
– Para de olhar pra minha bunda, gostoso, quer dizer, horroroso!
– Sou estudante da UFPR, melhor que estudar Direito na PUC!
– Processo, sim, tá pensando o quê?
– Charlatão!
– Olha o ponto do Detran, vovô! Olha o ponto do Detran!!!!
– Vem cá que eu te furo os olhos, debochado!
– Tá no código penal, exercício ilegal da profissão, seu safado!
– Todo mundo um dia fica velha, meu bem, você também vai ficar!
– Olha o ponto do Detran. Olha o ponto do Detran!!!!
– Para de olhar pro meu decote, meu amado, quer dizer, tarado!
– Sou estudante da UFPR, melhor que estudar Direito na PUC!
– Processo, sim, tá pensando o quê? Olha a “Persecutio crimini”!
– Lana caprina, Lana caprina!!!
– Charlatão!

– O ponto do Detran passou, vovô! O ponto do Detran passou, vovô! – exaltou-se o cobrador tentando chamar a atenção do velhinho que lhe pedira a preciosa informação! 

De repente, fez-se o silêncio (e não foi qualquer silêncio, não: fez-se “o” silêncio!).  

E o cobrador, atônito, repetiu:
– O ponto do Detran, passou, vovô! Agora o senhor vai ter que descer no próximo ponto e voltar a pé quase 1 KM!!! 

E eis que diante da informação do cobrador, todos esqueceram suas desavenças particulares e se voltaram contra o coitado, usando as piores palavras já inventadas nessa tal Língua Portuguesa. 

Resultado da história: o cafajestão se casou com a menina gostosa. A mãe nervosa está aprendendo tricô, com a velha injuriada, para fazer o enxoval do bebê que já está a caminho. O advogado contratou o estudante e hoje ambos trabalham num belo escritório. O vovô continua pegando o ônibus, diariamente, para ir visitar uma moreninha linda que mora ali perto do Detran e que tem uns 50 anos menos que ele. E o cobrador continua procurando emprego, pois, como se sabe: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. E com ele não foi diferente”! 

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