Lembro de mim, menina de tudo, quando, pela primeira vez, ouvi falar, em, digamos, simpatias envolvendo a mesa na virada de ano, a tal da comida da sorte. Lá em casa, nunca faltou a boa e velha lentilha, para garantir dinheiro o ano todo, um bom corte de porco – afinal, o bicho fuça para frente -, e os 12 grãos de uvas consumidos na hora da virada. As sementes, é claro, deveriam ser guardadas para trazer boa sorte e fartura em todos os meses do ano.
A chamada comida da sorte é uma das marcas das festividades de final de ano. Superstição ou tradição, a verdade é que em todo mundo há um quitute ou outro que remete aos bons agouros.
O chef e professor da escola de gastronomia Chef Gourmet Pedro Cianci lembra que o costume vem desde a Antiguidade, quando eram ofertados alimentos aos deuses. “De geração em geração, esses hábitos foram apenas se adaptando para os dias de hoje”, explica.
Nesse processo, foi natural trazer alguns alimentos carregados de simbologia para as festividades de final de ano. “Ligamos o começo de ano com o começo de um novo ciclo. Acho que sentirmos que estamos dando “uma ajudinha” para que essa sorte aconteça, é algo reconfortante. E a comida torna esse ritual muito mais gostoso”, acredita.
É curioso notar que, muitas vezes, é o formato do alimento ou o comportamento do animal de onde vem a carne que dita os costumes. “No Brasil, é costume, por exemplo, comer a clássica lentilha com uma nota embaixo do prato (qualquer valor vale)”, lembra Pedro. Já reparou como a lentilha tem formato de pequenas moedas? Faz sentido, não?
O hábito de comer lentilha na virada do ano, aliás, também está presente na cultura alemã. “Os alemães também têm o hábito de presentear os amigos com ferraduras, um símbolo da sorte, feito de marzipã”, garante o chef, referindo-se ao tradicional doce feito de açúcar e pasta de amêmdoa.
Já o hábito de comer peixe na ceia da virada à brasileira, lembra Pedro, tem a ver com a simbologia do animal, que nada para frente e representa a fartura: basta lembrar da passagem bíblica da multiplicação dos peixes. “Esse hábito está presente em algumas regiões do Brasil e traz a simbologia da fartura à mesa”.
A mesma lógica vale para a carne suína e suas variações. Afinal, o porco fuça para frente, justamente para onde a gente quer que a nossa vida vá, não é verdade? Na dúvida, é melhor não arriscar!
Agora, pausa dramática para uma curiosidade. Sabe aquele papo de não comer nenhum tipo de ave na ceia de réveillon porque o bichinho cisca para trás e isso poderia representar atraso na vida?
Os portugueses, que tanta influência trouxeram para a nossa gastronomia, não seguem essa tradição. Pelo contrário. Segundo o historiador de gastronomia e grande amigo Virgílio Gomes, nas mesas portuguesas na virada, é comum servir peru, que para nós é a estrela do Natal. “Antigamente, servia-se muito capão, um outro tipo de ave muito comum, especialmente no interior”.
Outra curiosidade revelada por Virgílio é relacionada à polêmica uva passa. Sim! Ao que parece, o ingrediente é herança portuguesa e traz junto uma tradição. “As uvas frescas eram guardadas no porão para secarem e serem consumidas nas festas de final de ano. É uma tradição que muitas famílias ainda mantêm”, garante.
Pelo mundo
O chef e professor Pedro Cianci lembra que na virada de ano judaica, é costume consumir o chalá, aquele pão trançado e sem quinas. “O formato sem arestas tem a simbologia de evitar conflito. Esse pão simboliza a continuidade e eternidade. Outra coisa interessante do chalá que o primeiro pedaço é imerso em mel e é comido pelo chefe da família, que, depois, oferece para cada pessoa a mesa”, ensina.
Lá do outro lado do mundo, o mochi, o famoso bolinho de arroz entra em cena. “Esse preparo com arroz glutinoso feito no pilão representa longevidade”. Ou seja: nada melhor do que trazer essa, digamos, energia, para a virada do ano, não?
E você, acredita em comida da sorte? Qual a sua tradição? Independentemente das crenças, o que vale é preparar uma ceia bem gostosa para dividir a emblemática virada do ano com os seus!
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