Ao decidir testar um vinho às cegas, que supostamente era jovem demais para bebê-lo, convidei um antigo amigo e confrade dos Cavaleiros do Tastevin, que não sabia o que enfrentaria, nem sobre o rótulo, tampouco sobre essa jovialidade excessiva.
Tratava-se de um Chateau Lagrande 2005, 3ème Cru Classe (3a. Classe de vinhos bordaleses, instituída por uma classificação legal consolidada desde 1855), considerado um dos melhores e mais importantes vinhos de St. Julien e deveras jovem para degustá-lo antes de 2015, com previsão de amadurecimento até 2030, conforme orientava Robert Parker em seu site oficial.
Mesmo com experiência anterior, de abrirmos garrafas ainda não recomendadas pela idade, foi a primeira vez que realmente tivemos um surpresa nítida e inquestionável sobre a jovialidade de um vinho, pois nas demais vezes, os testados apresentavam-se quase prontos ou em evolução, mas nunca excessivamente “verde”, desequilibrados e quase desagradável em bebê-los.
A cor era de um rubi excessivamente escuro, intransponível, muito brilhante e com a inequívoca apresentação de vinho jovem. Seus aromas estavam fechados, havia picos de exalação onde se podia sentir um leve licor de frutas vermelhas, caixa de charutos insurgindo e um sutil toque mineral. Nada mais além disso!
Na boca, inicialmente sentimos acidez despontando, muito tanino e álcool, ou seja, havia um equilíbrio alto, contudo, pouco tempo depois, seu tanino apresentou-se realmente verde, agredia o paladar e, mesmo aquele enófilo sem muita experiência teria plena condição de sentir essa sensação de “vinho jovem” muito acentuada. Para meu confrade, até mesmo amargor, algo que não senti.
Não é preciso dizer que, desde o início, o vinho foi aerado em um decanter. Então, como estava difícil apreciá-lo, passamos a um segundo vinho, também servido às cegas, que se tratava do supertoscano Mormoreto 2008, da afamada vinícola Marchesi de Frescobaldi, o vinho de maior prestígio feito no chamado Castello, um vinhedo com o mesmo nome do casarão familiar, construído em 1022.
Inicialmente, o italiano pareceu jovem e similar ao francês, no entanto, foi oxigená-lo para liberar os aromas e equilibrar. Um grande exemplo de vinho toscano IGT, ou seja, combinação de varietais italianas com francesas, vindo de um grande terroir. Muita expressão de frutas vermelhas passadas, um toque sutil de madeira, lembrando baunilha, grãos de café torrado, com final longo e persistente.
Bem, como a idéia aqui não é falar sobre o segundo vinho, mas tentar demonstrar a experiência em testar um vinho jovem, voltarei ao tema principal.
Após aproximadamente quatro horas em decanter, aerando, e findo o especial Mormoreto, que melhorou deveras com o tempo, voltamos ao Lagrange que, para nossa surpresa, efetivamente se transformou, equilibrou-se, arredondando os taninos e passou a liberar os aromas típicos de terroir francês, como terra molhada, herbáceos e condimentos.
Uma grata experiência… testar um vinho realmente jovem e comprovar a funcionalidade eficaz de um decanter, o qual transformou um vinho quase imbebível em um néctar agradável e elegante, fazendo emergir seu verdadeiro espírito francês ao aparar as arestas gustativas de sua jovialidade.
Até semana que vem!
Cheers!