Está chegando o Dia dos Namorados e já há muita gente apavorada com isso. Mas de uns anos pra cá, não são apenas os assumidamente solteiros que passaram a se incomodar com esta comemoração. Os ?ficantes? também estão desconcertados, sem saber ao certo o que fazer. Afinal, comprar um presente significa assumir de vez um relacionamento, formalizar o namoro. E não comprá-lo pode ocasionar exatamente o oposto, o fim do ?ficar?. São as mudanças de comportamento que nos últimos anos embaralharam as relações humanas e colocaram uma grande interrogação após a famosa frase ?E foram felizes para sempre??.

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Se hoje é comum conhecer os pretendentes na balada e já ?sair beijando?, antigamente os namoros aconteciam dentro de grupos sociais bastante fechados. Até mesmo a paquera não era bem vista entre os mais conservadores, termo que chegava a ser considerado um palavrão. Apenas o homem tinha o direito de paquerar.

A mulher que aceitasse a paquera não era bem vista socialmente. O ?ficar?, então, era fim de carreira para qualquer ?moça casadoira?.

Se por um lado a evolução dos relacionamentos afetivos trouxe conquistas e muito mais liberdade, principalmente aos jovens, também teve uma certa resistência ao amor. ?Houve uma deturpação cultural do afeto.

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A afetividade passou a ser vista como uma fraqueza?, observa a psiquiatra Rosecler Alice da Silva, professora-supervisora da Residência Médica de Psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Se antes o namoro era o planejamento de uma vida a dois, de um futuro em comum, hoje, em muitos casos, é apenas um recurso contra a solidão.

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?O ficar destruiu isto. Emocionalmente, as pessoas estão se fechando?, comenta a psiquiatra, destacando que não são somente os jovens os prejudicados, mas pessoas de todas as faixas etárias que estejam em busca de um compromisso sério.

A pedagoga Sheyla Pinto da Silva, mestre em Educação e membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Sexualidade Humana da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fala que um dos problemas dos relacionamentos atuais é que não se reforçam os laços afetivos para que o relacionamento venha a ser duradouro. ?As pessoas se envolvem já pensando ?ah… se não der certo a gente separa??, observa.

Sheyla diz perceber que entre os adolescentes está cada mais difícil manter um namoro, enquanto que a chance de sofrimento posterior parece ter aumentado. Segundo ela, a técnica destes jovens é ?aprender a não se apaixonar?. ?Quando pergunto como se faz isto, escuto que o jeito é se apaixonar por outro em seguida?, comenta.

Tecnologia afetiva

Arquivo pessoal
Viviane e Kristof em Praga, na República Tcheca: do virtual para o real.

A internet e as novas tecnologias se transformaram em fortes aliados dos novos relacionamentos. Além de fazerem o papel de cupido, aproximando casais que jamais se encontrariam se não fosse no mundo virtual, os novos recursos também são capazes de ?diminuir? as distâncias entre os casais. A dentista e estudante de Medicina Viviane Netto Alves, 28 anos, de Curitiba, não estava à procura de um namorado quando começou a trocar mensagens virtuais com o belga Kristof Philipsen, 26.

Os dois se conheceram por acaso através da comunidade ?Languages of the world? (Línguas do mundo) no site de relacionamentos Orkut.

Quatro dias após as primeiras mensagens, começou o namoro virtual e em poucos dias Kristof já estava com passagem marcada para o Brasil. ?Isso foi em dezembro, mas ele só viria para cá em março. Passávamos noites inteiras conversando?, relembra Viviane. Orkut, MSN, Skype (programa que permite estabelecer conversações telefônicas via internet, sem gastos adicionais), web-cam e e-mail se tornaram ferramentas fundamentais para aproximar o casal, que está namorando há um ano e meio e já faz planos de se casar. Viviane conta que o que mais chamou sua atenção em Kristof foi o fato dele querer assumir um compromisso sério, bem diferente dos jovens de sua geração. ?Claro que no começo eu fiquei assustada, mas ele foi muito transparente. Ele se apresentou, apresentou os amigos. Até os meus sogros eu conheci primeiro pela web?, relembra. Para o primeiro encontro, foram 111 dias contados, mas quando se viram, Viviane diz que era como se já se conhecessem há tempos. ?Como conversávamos muito, sabíamos tudo um do outro, nossas afinidades, nosso jeito de pensar?, relata. Atualmente, os dois se encontram a cada três meses, em média, no Brasil ou na Europa, e a internet é uma forma de minimizar a saudade.

Bem diferente foi a história da mãe de Viviane, a professora Marly Netto Alves, 57 anos, que se casou com o primeiro namorado, Reginaldo Alves, após seis anos de um namoro muito vigiado. ?Só fomos andar de mãos dadas depois de três anos juntos?, lembra. Viajar com o namorado então, era algo impensável na época, 34 anos atrás. ?Eu quase não saía.

O máximo era quando participava dos jogos estudantis. E quando saía para namorar, minha irmã mais nova estava sempre junto?, conta a professora.

Barreira virtual

As constantes crises existenciais do namorado, que não sabia se estava ?preparado? para um relacionamento, fizeram com que a publicitária Fabiana – que prefere não ser identificada -, 25 anos, colocasse um ponto final no namoro. Os dois, que também se conheceram através da internet, estavam juntos há quatro meses, mas ela se cansou de tanta indecisão. E, no caso deles, a rede mundial de computadores só contribuiu para apressar o fim do romance: ?Além dos problemas que tínhamos, ele era viciado na internet. Estava sempre conectado, trocando mensagens com outras meninas, atirando para todos os lados?.

Neste ?check-list? de problemas, o pior de todos, afirma Fabiana, foi o fato de o envolvimento não ter conseguido romper a ?barreira virtual?. Ou seja, um namoro totalmente superficial, apesar de ela estar apaixonada.

Expressão de uma geração

Arquivo
Medo da solidão impulsiona envolvimentos superficiais.

Defensora do amor romântico, a psiquiatra Rosecler Alice da Silva demonstra preocupação com o modismo do ?ficar?, surgido no final dos anos 80, depois da geração hippie (anos 60) e da época da ?amizade colorida? (anos 70). Ela lembra que o ato de beijar sempre foi algo muito íntimo e até sagrado até se tornar o símbolo dos amantes. Atualmente, segundo ela, o beijo perdeu o vínculo com o afeto. ?Hoje existe até competição entre os adolescentes, para ver quem beija mais gente em uma noite. E os adolescentes são a expressão da sociedade amanhã. Isso me preocupa, porque eles vão retratar este modelo de relação no futuro?, analisa.

A pedagoga Sheyla Pinto da Silva, especialista em sexualidade humana, vê o ?ficar? como uma forma de manifestação da atual geração de jovens, como outras que já surgiram anteriormente. Esse tipo de atitude é preocupante, afirma Sheyla, quando se torna um aprisionamento para o jovem, que se sente na obrigação de se adequar aos padrões sociais para não ficar ?por fora? do grupo de amigos.

Por outro lado, a professora destaca que este tipo de relacionamento aberto também tem suas vantagens, como a possibilidade do jovem conhecer melhor seu corpo e seus sentimentos, além de ter um tempo maior para conhecer a outra pessoa antes de assumir qualquer relacionamento. ?Todo mundo fala das desvantagens, mas todo mundo quer ficar com alguém?, enfatiza.