Geração Lassie

A ?geração Lassie? cresceu mas não se esqueceu das histórias que tanto a envolveu, dos cães super-heróis capazes de dar a própria vida por seu dono. O que mudou, porém, é que em vez do ?cão com superpoderes? mostrado na telinha em filmes como Lassie e Rin Tin Tin, os cães agora conquistam os leitores com suas histórias, que de perfeitas têm muito pouco. Ou seja, é a união de duas grandes paixões humanas: a literatura e os cães. Prova disso é Marley & eu, de John Grogan, lançado no Brasil em setembro do ano passado e que desde então ocupa os primeiros lugares dos livros de não-ficção mais vendidos da revista Veja.

Há algumas semanas, outro título que passou a disputar espaço com Marley entre os fãs da ?literatura canina? – ou cinoliteratura: trata-se do lançamento De Bagdá, com muito amor. O livro conta a história do tenente-coronel Jay Kopelman, um fuzileiro naval norte-americano que consegue manter um certo equilíbrio em meio ao caos da guerra no Iraque após encontrar Lava, um filhote de vira-latas que aparece assustado e faminto no acampamento militar dos Estados Unidos em Faluja. Tirá-lo e mantê-lo vivo em meio a tanta morte e destruição se transforma em uma verdadeira luta para o tenente-coronel, que burla as regras militares para chegar ao seu objetivo. De um lado está o cão esfomeado e pulgento. De outro, o companheiro fiel – a ?bolinha de pêlo?, como Lava é chamado por Kopelman – que faz com que o fuzileiro naval se esqueça um pouco das atrocidades que vem vivenciando em seu dia-a-dia.

Na contramão dos manuais

Divulgação
O atrapalhado Marley com seu dono, o jornalista John Grogan.

Bem diferente dos manuais de adestramento de cães ou guias de raças, a ?literatura canina? – seja por meio de histórias verídicas ou romances ficcionais – procura destacar o vínculo entre os humanos e seus animais de estimação.

O jornalista norte-americano John Grogan se transformou em uma verdadeira celebridade desde que resolveu contar a história de Marley, um labrador completamente desajustado e atrapalhado.

Antes do livro, os norte-americanos conheceram Marley pelas crônicas de Grogan em um jornal da Flórida. A média de cartas que Grogan recebia como resposta a sua coluna saltou de 20 para 800. Daí surgiu a idéia do livro, que em breve será adaptado para o cinema. ?Ao longo de toda a vida de Marley, entretive amigos e leitores à custa dele, contando as histórias sobre seu irremediável mau comportamento. Depois que ele morreu, achei que eu deveria contar o resto da história, a história toda. Ele era um cão hiperativo e aloprado, com deficiência de atenção, mas tinha um coração nobre e uma incrível empatia com os seres humanos?, explica Grogan.

No Brasil, o editor Pedro Almeida, do grupo Ediouro -que detém o selo Prestígio Editorial, responsável pela publicação de Marley & eu -conta que há tempos vinham buscando algo na linha de Marley & eu. ?O livro tinha sido lançado há pouco tempo nos Estados Unidos e ainda estava começando a fazer sucesso. Também não sabíamos se no Brasil a relação das pessoas com seus bichos era tão próxima como nos EUA?, explica Almeida.

Com 250 mil exemplares vendidos apenas no Brasil e há oito meses como o livro mais vendido na categoria não-ficção, Marley & eu abriu caminho para outras obras do gênero. Ainda este ano, somente a Prestígio Editorial já tem programado mais três lançamentos, entre eles a versão infantil de Marley, Marley, o cachorro trapalhão.

Os outros são Olson, um cão para toda vida, de Jon Katz, que narra a história de um border collie que se destaca em uma ninhada e passa a ser o preferido de seu criador, e Meu querido Christopher, de Sy Montgomery, uma bióloga que conta a história de um porco que se transformou em animal de estimação e virou celebridade na cidade norte-americana de New Hampshire.

Paixão sem exageros

Apesar de amar os animais, o veterinário Marconi Rodrigues de Farias, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), acha que está havendo muito exagero na forma com que as pessoas tratam seus bichos. Para ele, o número de best-sellers com enfoque animal e o crescimento do ?mercado pet? em geral é apenas mais um reflexo disso. ?Os animais de companhia estão substituindo laços humanos, o que é errado?, destaca, frisando que um cachorro ou gato não pode, jamais, ocupar o espaço de um filho ou parente próximo. ?Há casos de pessoas que se anulam por causa de um animal e esse tipo de relação acaba gerando alguma frustração?, justifica.

A psicóloga Mari Ângela de Oliveira, professora da PUCPR, vê a questão da aproximação homem-animal sob o prisma da solidão humana. Segundo ela, à medida que o ser humano vai ficando cada vez mais fechado em seu próprio mundo, ele necessita cultivar laços de afeto e muitas vezes isso é encontrado no animal. ?A amizade do cão com o homem é algo muito presente, sem cobranças?, destaca. Mas ela também lembra que essa relação deve ser um acréscimo, e não uma substituição – no caso a troca de um relacionamento humano pelo animal -, para não se tornar algo patológico. ?Tudo que é exagerado se torna patológico?, pondera.

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