– Cadê a orelha? – perguntei ao rapaz miudinho, esparramado na maca.

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Em sua cabeça, um turbante improvisado com uma toalha, toda empapada em vermelho vivo.

– Eles ficaram com ela. – tremeu baixinho, encolhido de dor.

– Eles quem? – indaguei perplexo, na coceira de saber quem sai por aí decepando a orelha dos outros.
Mas, diante do olhar apavorado do paciente, logo percebi que era melhor eu ficar bem calado.

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Encaminhado para o centro cirúrgico, não houve muito a ser feito. Analgesia, uma limpeza caprichada, alguns pontos e um curativo bem bonito. Só não daria mais pra usar óculos.

Horas depois, pelas ondas do rádio corredor, descobriríamos o porquê da orelha ser separada de seu corpo: o não pagamento de uma dívida de drogas de 200 reais.

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Às vezes, assusta o quão próximos estamos do narcotráfico. Como um bafo quente na nuca, muito da violência das drogas vem parar em um hospital público. Acertos de contas, overdoses, atentados, disputas de território, tentativas de homicídios…

Segundo a OMS, todos os anos, o mercado internacional de drogas movimenta 500 bilhões de dólares, livres de qualquer imposto. Para você ter uma ideia, em termos de lucros, o tráfico de drogas e armamentos só perde para o comércio mundial de petróleo. Legal, não é?

Mas a parte bizarra dessa história fica a cargo do paciente. Dois dias após a alta, ele voltou todo animado, com um pequeno embrulho nas mãos.

– Oi gente! Paguei a dívida e eles devolveram a orelha!

Olha para o céu e choro. É um orelha seca mesmo…