Nada faltará

Em alta velocidade, aquele motoboy ignorou o farol vermelho, fez uma conversão proibida sem dar sinal e, claro, não conseguiu evitar uma senhora cacetada na lateral de uma Kombi. Tudo para entregar a tempo dois galões de tinta acrílica, que pelo visto eram mais importantes do que a sua própria vida.

Em instantes, diversos motoqueiros encostaram para proteger o colega sangrando no asfalto. Para sorte do condutor da Kombi, a Guarda Municipal logo apareceu, evitando que o pobre coitado fosse agredido por toda aquela turma de “justiceiros”.

Na chegada do resgate médico, a constatação natural de inúmeras escoriações e fraturas de clavícula, punho e pernas. Em meio à dolorosa manobra de remoção, algo me chama a atenção. Estampado no baú da moto caída, um velho e surrado adesivo com os dizeres “O senhor é meu pastor, nada me faltará”.

Sorrio pensativo enquanto acalmo o paciente e passo os cintos de fixação na prancha longa. Sem dúvida, nada faltará.

Só faltou um pouco de respeito, bom senso e educação. Assim como faltaram detalhes “inocentes”, como carteira de habilitação e algum tipo de manutenção na moto, tendo em vista o seu péssimo estado de conservação.

Pois é, trata-se de mais uma “vítima” do nosso trânsito de primeiro mundo.

Você já notou a quantidade de veículos que saracoteiam por aí com esses adesivos religiosos, atropelando sem piedade a quase todos os artigos do código de trânsito?

Peço perdão pela minha inocência. Na minha cachola, acreditava que essas “mensagens” de fé, agradecimento ou de proteção significassem algo de especial. Na minha ingenuidade, tais adesivos funcionariam como uma espécie de “selo de qualidade divina”, atestando que a pessoa a bordo se importa, de algum modo, com um mundo melhor, o que incluiria um trânsito mais fraterno.

Mas a verdade é que muitos não passam de lobos em pele de carneiro.

Por fim, que nada falte ao pastor.

Principalmente paciência.