Na sua carne

Um momento de silêncio se faz após todo acidente grave de trabalho.

É aquele segundo em que a pessoa fica sem ação, perplexa pelo pior ter acontecido. Depois vem o desespero e o choro, acompanhados de toda a dor.

Foi o que aconteceu com Teodoro, quando num descuido teve sua mão esquerda decepada numa serra de desossar carne suína.

Na metade de um instante sua mão estava lá. Na outra metade já não estava mais. Simples, rápido e cruel assim.

Trazido em choque pelos bombeiros, restou apenas o cuidado paliativo de hemostasia (parar o sangramento), repor volume com a transfusão de algumas bolsas de sangue, calçar o paciente com antibióticos e encaminhá-lo para a cirurgia para o fechamento em coto.

Mas quanto valia a mão de Teodoro?

Em minha inocente opinião, valia milhões de reais. Talvez muito mais. Para ser sincero, me assusta a maneira descartável como as empresas – de modo geral – tratam seus trabalhadores.

Sem dúvida, nossa indústria frigorífica é uma potência na produção de carnes. E na produção de acidentes de trabalho também. Aves, bovinos, ovinos e suínos… apenas no Paraná de 2012, o abate e o beneficiamento de carne causaram o afastamento de duas mil pessoas de seus postos de trabalho. A maioria, algo em torno de 65%, por acidentes envolvendo maquinário e instrumentais de corte afiadíssimos.

Os demais foram afastados pela hostilidade natural do serviço. Pressão da empresa por maior desempenho, jornadas exaustivas em ambiente gelado, exigência de movimentos repetitivos, exposição ao cheiro típico e difícil da carne e o convívio diário com a morte de animais. Tudo de ruim, que potencializa o cansaço, a depressão e o estresse, predispondo acidentes e doenças crônicas, tanto orgânicas quanto psicológicas.

Particularmente, não gosto de atender esses trabalhadores.

A maneira como são usados e desprezados incomoda e me remete a uma fila. Tal qual a fila de um abatedouro.