Motorista em fuga

Por sorte naquela noite não havia luar.

Sua esposa estava no trabalho e os vizinhos pareciam ocupados demais com a última semana da novela.

– Que porcaria… – murmurou ele baixinho, enquanto agitava freneticamente a mangueira d’água.

Escova, sabão, esponja… coisa difícil remover todo aquele sangue de cima do capô. A grade, o farol e o para-brisa haviam sido destruídos com o impacto. A lataria parecia ter sido mastigada e depois cuspida. Como iria explicar aquela bagunça? Será que o cara da bicicleta tinha mesmo morrido?
E o pior, quanto custaria para deixar seu carro novo?

Pois é.

É da cidade de Curitiba a vergonha de registrar mais de 100 atropelamentos por mês. Muitos chegam ao hospital em código três, o que significa que os ferimentos foram graves o suficiente para colocar o paciente a meio passo da morte. Traumatismo cranioencefálico, lesão medular, fraturas múltiplas, mutilações, hemorragias internas… sem exagero, nosso trânsito mais parece uma triste combinação de filme de terror com uma fábrica de horrores.

Mas você sabia que, de cada dez atropelamentos atendidos pelos bombeiros, em pelo menos um deles o motorista foge?

Sem dúvida, é uma atitude criminosa que revela a falta de caráter de muitos condutores curitibanos. Ferir e não prestar auxílio é uma dessas aberrações que faz a gente se perguntar que tipo de bicho nós somos.

Na emergência médica utilizamos o conceito de “hora de ouro”, no qual qualquer minuto perdido no atendimento pode condenar a vítima do atropelamento a sequelas profundas e até mesmo ao óbito. E graças a esses covardes, que não param para ajudar nem telefonam para o resgate, a hora de ouro simplesmente vai para o espaço.

Portanto, aqui vai o nosso obrigado a esses motoristas.

Enquanto fogem, o mundo se mostra cada vez pior.

Obrigado mesmo.