Todo hospital tem lá seus fantasmas.

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Você pode senti-los na madrugada fria, murmurando suas histórias pelos corredores embolorados da enfermaria. Se fechar os olhos, poderá inclusive ouvir seus vagarosos passos. Contudo, no momento não posso lhes dar a merecida atenção, pois a central reguladora aciona para atendimento de duas ambulâncias do Siate, trazendo quatro vítimas de colisão auto versus anteparo.

Pancada feia em um poste às quatro da manhã ninguém merece.

Peço para a enfermagem acordar os plantonistas da cirurgia para apoio (eles adoram quando faço isso) e sem perder tempo calço minhas luvas, indo para a plataforma do PS apanhar um vento que me convença de que já estou acordado.

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Os bombeiros chegam com a pressa que lhes é habitual e as portas das ambulâncias se abrem enquanto os soldados me repassam as informações de base. Mecanismo de colisão, condições dos feridos, sinais vitais…

Contudo, quando as luzes da sala de emergência iluminam o rosto do primeiro ferido, sinto meu coração parar. Definitivamente a gravidade do acidente tinha sido menosprezada pelos socorristas. Diante dos meus olhos um paciente completamente roxo, todo ensanguentado e com o globo ocular esquerdo pendurado para fora da órbita.

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Paro perplexo no corredor. Preciso raciocinar rápido a conduta a ser tomada. Bolsas de sangue, oftalmologia…

Outra maca passa apressada e reparo em uma laceração que arrancou grande parte do rosto da vítima. Olho assustado, imaginando que tipo de colisão faria algo assim.

– Calma doutor, esses caras são do zombie walk. – dispara sorrindo um dos bombeiros.

– Zumbi quem? – pergunto sem entender nada.

Poxa, que coisa mais sem graça. Quando fico sabendo que os feridos estavam voltando de uma festa na qual todo mundo se veste e se pinta de defunto, fico furioso.

Mas no final das contas, os “mortos-vivos” estavam melhor do que aparentavam e apenas um precisou ir para a cirurgia, reconstruir a pelve. Os demais precisaram de gesso, alguns pontos e de uma bela bronca dada pelo chato que agora vos escreve.

Malditos zumbis. Malditos fantasmas.

Me deixem dormir!