Num toque-toque baixinho, alguém bateu na porta do consultório. Quando entrou, mal pude ver seu rosto, encolhido por detrás do boné surrado.

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Era um menino de 15 anos, jurado de morte.

Com a ajuda da mãe, num tom de voz sussurrado, ele foi me contando sua história. Dois anos antes, numa discussão entre gangues de bairro, ele foi marcado para morrer. Em seguida, sua casa se transformou em alvo frequente de tiros e pichações.
Na minha inocência – e talvez inspirado pela ficção dos filmes – eu acreditava que essas pessoas recebiam algum acolhimento da justiça, com inserção em programas de proteção policial, mudança de cidade ou até mesmo de identidade.

Eu estava bastante enganado. Vários dos marcados para morrer têm suas vidas interrompidas na marra. Muitos não têm qualquer condição de se mudar e, invariavelmente, são desprezados pela polícia.

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Para você ter uma ideia, aquele garoto precisou desistir dos estudos e abandonou atividades simples, como ir ao mercado ou shopping. Como consequência, desenvolveu uma série de problemas de saúde.

Gastrite nervosa, anemia por desnutrição, transtorno depressivo, arritmia cardíaca e uma insônia que somente sedativos pesados conseguiam aplacar. Para conseguir dormir nos dias de maior tensão, acredite, ele até fazia uso de um colchonete, escondido no forro de sua casa.

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Pedi alguns exames de sangue, prescrevi alguns medicamentos e me despedi sem graça, com a certeza de que nunca mais o veria novamente.

Eu estava certo. Tão certo quanto à própria morte.