Herói bandido

Naquela manhã ela seria estuprada.

Ao percorrer o longo caminho entre a sua casa e o ponto de ônibus, lá nas quebradas do Pinheirinho, Rafaela foi surpreendida por um sujeito bem vestido que se aproximou, abriu um largo sorriso, perguntou as horas e lhe acertou um soco que lhe quebrou dois dentes incisivos.

Num apagão momentâneo da consciência, ela foi arrastada para um terreno baldio cheio de sombras e árvores. Ao despertar se afogando com o próprio sangue, ela sentiu o peso do agressor, que lhe pressionava a garganta com a ponta de uma faca.

Sim, naquela manhã ela seria estuprada.

Foi quando se ouviu um inesperado tiro, vindo de longe.

Acredite se quiser. Alguém lá da rua efetuou um disparo certeiro no traseiro do tarado, que fugiu tropicando pelo matagal adentro.

Mesmo em choque, Rafaela conseguiu se levantar, chegar sozinha até o ponto do ônibus e vir cambaleando para o hospital.

O curioso vem agora. Logo após dar entrada no pronto-socorro, Rafaela reconheceu o cheiro de perfume marreta, exalado do boxe ao lado. Era um ’coitado’ que – ao fugir de um ’assalto’ na região do Pinheirinho – havia sido alvejado no glúteo direito.

Ela entrou em pânico ao vê-lo, sussurrando um pedido de socorro às enfermeiras. Em instantes, o infeliz já estava algemado em sua maca.

Quanto ao justiceiro misterioso, nunca se soube nada a seu respeito. Talvez por ser mais bandido que herói. Mas, num país em que 140 mulheres são violentadas por dia, toda ajuda é mais do que bem-vinda.

Seja lá de onde ela vier.